COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A segunda Semana de Resistência Camponesa, realizada entre os dias 22 e 26 de agosto de 2022 em Cuiabá (MT), reuniu mais de 200 pessoas das regiões Norte, Araguaia, Sul, Noroeste e Baixada Cuiabana, além de parceiros de organizações sociais. Famílias ocuparam o Incra em Cuiabá para reivindicar, principalmente, celeridade em seus processos. O evento contou ainda com lançamento de publicação e campanha, e feira de troca de sementes.

Texto e fotos: CPT Regional Mato Grosso

“Fazia tempo que estávamos esperando esse momento de luta para nos ajudar com as demandas das nossas áreas. Visibilizar e fazermos acordos para resolver os nossos problemas e conflitos”, manifestou uma das lideranças do Acampamento Renascer, de Nova Guarita. Essa foi a primeira ação de luta e resistência de famílias camponesas e organizações sociais do estado após o período de isolamento social devido a Covid 19.

As ações da 2ª Semana de Resistência Camponesa contaram com a participação de famílias das áreas: Pré-Assentamento Boa Esperança e Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, localizados no município de Novo Mundo; Pré-Assentamento Lote 10 e Acampamento Renascer, de Nova Guarita; Acampamento Renascer, na Gleba Mestre I, de Jaciara; Gleba Carlos Pelicioli, de Santa Terezinha; e Projeto de Assentamento (P.A) Santa Rita, de Ribeirão Cascalheira.

O evento foi realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Mato Grosso, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 28º Grito dos Excluídos, Fórum de Direitos Humanos e da Terra do Mato Grosso (FDHT-MT), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Regional Oeste 2, Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (Jura-UFMT) e Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST-UFMT).

“Nosso acampamento é antigo, com quase 20 anos de luta, e queríamos ver se conseguíamos dar uma alavancada na nossa luta com essas ações da Semana. Sempre o acampamento Renascer volta com prazos dos órgãos de 60, 120 dias e nada. Quando chegamos na área, os nossos jovens eram crianças. Esse acampamento é um grito de socorro. Queremos levar uma esperança para casa”, explica Kelly, do Acampamento Renascer, de Nova Guarita.

Conflitos incessantes

A primeira atividade da Semana foi o lançamento, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Mato Grosso, da publicação anual Conflitos no Campo Brasil 2021, realizado no dia 23 de agosto. A 36ª edição do relatório, organizado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), registrou, em 2021, 108 ocorrências de conflito no campo no Mato Grosso, envolvendo 13.030 famílias. Dentre esses conflitos, 240 famílias foram expulsas por pistoleiros das terras onde viviam, e 150 foram despejadas pela Justiça. Já as ocorrências de conflitos por água foram de 19, com 2.264 famílias envolvidas. As ações de pistolagem foram de 605 no último ano.

As pessoas que mais sofreram com os conflitos por terra em 2021 no estado foram os povos indígenas (48 conflitos), sem-terra (11), e assentados (08). Já os principais causadores de conflitos foram os fazendeiros, responsáveis por 15 casos, seguidos por grileiros (11 conflitos), madeireiros (9 conflitos), e o governo federal (7 conflitos). Em meio a esses conflitos no campo, o sem-terra Sidinei Floriano da Silva, 33 anos, foi morto na Fazenda Jump Madeiras, no município de Cotriguaçu.

“Temos que nos unir e lutar muito, porque essa luta é pesada. Já são 19 anos de luta e de esperança. Deus me disse, não perca a esperança e continue a luta”, explica Malvina Muniz, do Pré-Assentamento Lote 10, mesmo em meio a diversos conflitos enfrentados ao longo dessas quase duas décadas de busca por um pedaço de chão.

No estado, segundo a CPT, houve ações de violência no campo em todas as regiões, com destaque para o norte e nordeste, nas quais mais de 50% de seus municípios tiveram casos de violências contra as pessoas ou às suas posses. Cresceu também os conflitos advindos de madeireiros e garimpeiros em relação a 2020: 200% para ambos.

O Mato Grosso lidera, no Centro-Oeste, as seguintes categorias de violência contra a pessoa ou à posse: o número de ocorrências de conflitos no campo, o número de famílias envolvidas nos conflitos no campo, desmatamento ilegal, despejo judicial, contaminação por agrotóxicos, destruição de pertences, ações de pistolagem, invasão de territórios das comunidades e impedimento de acesso às áreas de uso coletivo das comunidades.

> Assista aqui o lançamento e a análise dos dados de Conflitos no Campo no Mato Grosso

Basta de violência e violação de direitos!

Em mobilização como forma de confrontar o acirramento das violências no campo, organizações e movimentos sociais lançaram, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso, no dia 24 de agosto, a "Campanha Contra Violência no Campo: em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas".

A campanha foi criada no final do ano de 2021 como iniciativa de, dentre outros objetivos, denunciar o contexto de agravamento dos conflitos, e como forma de recomendar “ações e políticas de proteção aos territórios e as vidas humanas ameaçadas”.

Nos últimos anos, o estado do Mato Grosso vem liderando as ocorrências de conflitos por terra no Centro-Oeste. Participaram do evento Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, Idalice Nunes, do MST, João Moisés Bispo, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Inácio Werner, do FDHT-MT.

Desde 1º de janeiro de 2016 até 25 de julho de 2022, a CPT registrou 276 ocorrências de assassinatos por conflitos no campo, sendo 98 destes de sem-terra e 54 de indígenas. Nesses casos está incluso o emblemático Massacre de Colniza (MT), ocorrido no ano de 2017, quando nove posseiros do Projeto de Assentamento (P.A) Taquaruçu do Norte foram assassinados por pistoleiros contratados a mando de um empresário madeireiro.

“Sempre que tem essas reuniões e eventos, nós ficamos com expectativa, mas as vezes passa o tempo e nada acontece em relação às nossas pautas e sobre os conflitos. Temos que ter fé, lutar, mas é difícil manter a nossa esperança, que é entrar para esse pedaço de chão e plantar. Tenho 56 anos, tenho medo de quando entrar na terra não ter mais força de cuidar dela”, explica dona Marineide, do Acampamento Renascer.

Ocupação popular

E em meio a todas essas ações da Semana de Resistência Camponesa, as famílias das cinco regiões do Mato Grosso, cansadas de esperar o andamento jurídico e administrativo de suas pautas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), decidiram ocupar o estacionamento do órgão, no Centro Político Administrativo (CPA), em Cuiabá, no dia 23 de agosto.

A manifestação pacífica durou quatro dias, tempo para que homens, mulheres, crianças e jovens aguardaram, em barracas, fossem atendidos pela superintendência do órgão, assim como pelo Governo do Estado e presidência da Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT).

O primeiro diálogo ocorreu na tarde da própria terça com André Luiz Welter, superintendente regional do Incra; Raul Afonso Filho, conciliador agrário; Helton Antônio da Silva, chefe da divisão de desenvolvimento e consolidação de assentamento e o ex-ouvidor agrário Marco Antônio. Acompanhou a conversa Renan Sotto Mayor, defensor público e vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-MT).

Na reunião, as famílias receberam do representante retorno do órgão de que os prazos serão de cinco a 30 dias para dar andamento às pautas de reivindicação, que vão desde o acesso e acompanhamento dos processos referentes a cada uma das áreas até ações de vistoria.

Uma das lideranças do Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, após a série de reuniões, manifestou: “A gente queria ir embora com respostas concretas, além dos prazos estabelecidos para cada uma das nossas demandas [confira abaixo]. Vir aqui e não levar coisas concretas para os grupos, desanima, mas sabemos que não podemos desistir. Se a gente, estando aqui, ocupando o órgão, e fazendo as reuniões fica difícil conseguir respostas para as nossas pautas, imagina lá, se ficarmos em nossas terras, distantes.”

Pauta no Legislativo

O presidente da ALMT, deputado estadual Eduardo Botelho (União Brasil), recebeu na quarta-feira, dia 24, em seu gabinete, 18 representantes das famílias acampadas, o deputado estadual Valdir Barranco (PT), e integrantes da CPT Regional Mato Grosso.

Após ouvir um breve relato sobre cada uma das áreas, o parlamentar manifestou que reconhece as problemáticas atuais no Incra, acentuadas na atual gestão do governo federal.

Eduardo Botelho, ao fim da conversa, se comprometeu, no prazo de cinco dias, em enviar ofícios ao Incra para averiguar e entender a situação dos processos de cada uma das áreas das famílias camponesas, assim como fazer um pedido de audiência junto aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), responsáveis pelos processos da União, reivindicados pela famílias camponesas.

Compromisso do Governo Estadual

Durante o diálogo que durou mais de uma hora, na quinta, 25, o governador Mauro Mendes (União Brasil) se reuniu com cerca de 20 representantes das áreas acima mencionadas, assim como com a CPT, a assessoria do mandato da deputada federal professora Rosa Neide (PT) e com o deputado Valdir Barranco.

O chefe do Executivo se propôs a cobrar, do Incra nacional e da superintendência estadual, soluções para as demandas das famílias camponesas, assim como celeridade nos processos junto ao TRF1. Essas informações serão pedidas ao órgão via ofícios governamentais.

A equipe do governador também se comprometeu em analisar, junto ao Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat), o status do processo referente a área do P.A Santa Rita, bem como da Gleba Carlos Pelicioli, onde será verificado a possibilidade de uma ação discriminatória, para arrecadação da mesma, tendo em vista que parte da área é devoluta, conforme certidão emitida pelo órgão.

“Assumimos o órgão que atualmente tem mais de 30 mil processos, e tem uma longa história de corrupção. Tem uma demanda reprimida muito grande no Instituto”, ponderou Mauro Mendes.

Saiba mais: Famílias acampadas no Incra em Cuiabá (MT) aguardam reunião com governador e presidente da Assembleia Legislativa

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Reivindicações apresentadas e compromissos firmados entre os dias 23 e 26 de agosto de 2022:

As famílias e a Pastoral da Terra pedem que o Incra libere o acesso digital (SEI Incra) aos processos referentes às áreas para que seja possível o acompanhamento jurídico dos mesmos. Atualmente, como os processos são digitalizados e estão em posse do Instituto, e o acesso se dá apenas com a liberação por parte da autarquia. (O prazo estabelecido pelo Incra foi de cinco dias).

Confira os prazos e compromissos do Incra junto às famílias:

1. Acampamento União Recanto Cinco Estrelas (Novo Mundo): Solicitar celeridade no julgamento de Mandado Segurança em trâmite no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para viabilizar a implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Novo Mundo, em 2.000 hectares, na Fazenda Cinco Estrelas, cujo Plano de Utilização e Relatório de Viabilidade Ambiental foi realizado pelo Incra em 10 junho de 2021. (Compromisso assumido: oficiar junto à Procuradoria Federal Especializada - PFE para manifestação no processo em um prazo de 10 dias)

2. Acampamento Renascer (Nova Guarita): criação de PDS na área da Gleba Gama, que o Incra já declarou de interesse social, inclusive com decisão do Conselho Diretor Regional (CDR); (Compromisso assumido: nova reunião para avaliar melhor a situação em 15 dias)

3. Acampamento Renascer – Gleba Mestre I (Jaciara): Solicitar agilidade no julgamento de Mandado de Segurança no TRF1, com relatoria da Desembargadora Maria do Carmo, para viabilizar a implantação do Projeto de Assentamento (PA) Mestre, criado ainda em 2004. (Compromisso assumido: oficiar junto à PFE para manifestação no processo no prazo de 10 dias)

4. Pré-Assentamento Boa Esperança (Novo Mundo): Criação do PDS Boa Esperança, que incide em parte da área da Fazenda Araúna, no município de Novo Mundo. O Plano de Utilização e Relatório de Viabilidade Ambiental foi realizado pelo Incra ainda em 2020, contudo, não foi criado o PDS até o momento. Outra reivindicação do grupo é que o Instituto receba a posse da área do PDS Boa Esperança, conforme decisão do TRF1, de junho de 2022. (Compromisso assumido: nova reunião para avaliar melhor a situação em 15 dias)

5. Pré-Assentamento Lote 10 (Nova Guarita): Realizar a vistoria ocupacional para a regularização das famílias que ocupam a área. (Compromisso assumido: vistoria nos lotes no prazo de 30 dias)

6. Inclusão de todas as áreas mencionadas, e outras que constam em ofício encaminhado ao órgão pela pastoral em 2019, em situação de conflito, na Câmara de Conciliação de Agrária (CCA). (Compromisso assumido: prazo de 10 dias)

Troca de sementes

No dia 26 de setembro, as famílias, ao fim da ocupação do Incra, convidaram a população de Cuiabá e região para a Feira de Resistência Camponesa. A comercialização de produtos diversos do campo e a troca de sementes aconteceu em uma tenda montada em frente à sede do órgão.

Banana, mandioca, diversos tipos de feijão, abóbora, quiabo, cabaça, milho, arroz, castanhas, amendoim, açafrão e pimenta foram alguns dos produtos oriundos das plantações camponesas que estavam presentes no local.

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Mais informações: Welligton Douglas (coordenação regional da CPT) 65 98429-8556

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