COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Setenta mil peregrinos vindos de todos os continentes, incluindo milhares da América Latina, aplaudiram com entusiasmo na manhã de domingo, 14, quando o papa Francisco declarou Paulo VI, o papa da reforma do Concílio Vaticano II, e Óscar Romero, antigo arcebispo de El Salvador e advogado dos pobres, e mais cinco outros — incluindo duas mulheres religiosas, dois padres e um leigo de 19 anos de idade — santos da Igreja universal.

 

(A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 14-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen. Reprodução IHU. Imagem: Arquivo/Canção Nova )

Francisco, o primeiro papa latino-americano, identifica-se fortemente tanto com Paulo VI e quanto com Arcebispo Óscar Arnulfo Romero. Ele vê Paulo VI (1897-1978) como o papa que teve uma visão abrangente da Igreja que inspirou o Concílio Vaticano II, e o Arcebispo Romero (1917-1980) como alguém que encarnou essa visão em seu comprometimento absoluto com os pobres.

Francisco acredita estar dando continuidade ao trabalho reformista do Concílio Vaticano II que Paulo VI começou e acredita estar seguindo os passos do comprometimento e da dedicação do Arcebispo Romero com os pobres. Ele deixou isso claro na missa de domingo ao vestir o cíngulo (Nota de IHU On-Line: é o cordão que os clérigos usam para prender a alva) manchado de sangue, o  mesmo que o Arcebispo Romero usava quando foi assassinado “pelo ódio contra a fé” enquanto celebrava uma missa no dia 24 de março de 1980 e, também, ao vestir um pálio, carregar um báculo e usar um cálice, objetos que pertenciam a Paulo VI.

Ele se referiu aos dois santos em sua homilia quando comentou o Evangelho narrado por São Marcos. A narração foi feita em latim e em grego. A história narra como um jovem homem rico foi até Jesus e perguntou o que deveria fazer para “herdar a vida eterna”, uma vez que tinha observado todos os mandamentos. Francisco destacou que o jovem perguntou o que deveria “fazer”; em outras palavras, ele queria “um bem a ser obtido pelos seus próprios esforços.” Mas, lembrou o papa, “Jesus muda a perspectiva: dos mandamentos entendidos como forma de obter uma recompensa, para um amor total e livre. Este homem estava falando em termos de oferta e demanda, e Jesus o propõe uma história de amor” e o pede para “vender o que tem e dar aos pobres.”

Francisco disse à multidão “o Senhor não discute teorias de pobreza e riqueza, ele vai diretamente à vida. Ele pede para que você deixe para trás o que pesa no seu coração, para você se desfazer de seus bens visando abrir espaço para ele, o único bem de verdade. Não podemos seguir Jesus verdadeiramente quando estamos cheios de coisas. Pois, se nossos corações estão ocupados com bens, não haverá espaço para o Senhor, que se tornará apenas mais uma entre tantas outras coisas.”

Em seguida, olhando para os 120 cardeais, os 500 bispos e os 3 mil padres que estavam concelebrando com ele, para os presidentes de El Salvador, do Chile, da Itália e do Panamá, que estavam sentados na escadaria da basílica ao lado de Sofia, a rainha da Espanha, e para as delegações vindas de vários países do mundo, bem como para o ex-Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, e para Adolfo Perez Esquivel, que recebeu o prêmio Nobel da paz, o papa disse: “Jesus é radical. Ele dá e pede tudo: ele dá o amor total e pede um coração inteiro.”

Francisco deixou claro que Paulo VI e o Arcebispo Romero corresponderam ao pedido radical de Jesus por “um coração inteiro”, cada um à sua maneira: um deles como papa e líder do mundo católico, e outro como um arcebispo que serviu aos pobres e aos oprimidos no meio de uma guerra civil em El Salvador.

“Paulo VI dedicou sua vida ao Evangelho de Cristo, cruzando novas fronteiras e se tornando seu testemunho por meio da proclamação e do diálogo, um profeta de uma Igreja voltada para o seu exterior, olhando por aqueles que estão distantes e cuidando dos pobres,” disse o papa Francisco.

Suas palavras parecem se referir à extensão missionária de Paulo VI, que foi papa de 1963 até 1978. Como papa, ele visitou a Terra Santa em 1964 onde, superados vários séculos de divisão, abraçou o então Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Atenágoras I, em Jerusalém. Também viajou à Índia e ao Líbano no mesmo ano, visando se aproximar dos pobres e, em seguida, viajou à Genebra. Ele esteve presente na Organização das Nações Unidas em Nova York, no ano de 1965, e fez um apelo aos governos do mundo: “Guerra nunca mais!”. Ele visitou Fátima em 1967 e, no mesmo ano, a Turquia para se encontrar com o patriarca ecumênico e se aproximar dos muçulmanos. Ele foi à Colômbia em 1968 para encorajar os bispos latino americanos e do Caribe para implementarem os ensinamentos do Concílio Vaticano II por meio da preferência aos pobres; e visitou, também, o Irã, o Paquistão, as Filipinas, as Ilhas Samoa, a Austrália, a Indonésia, Hong Kong e Sri Lanka em 1970. Escreveu encíclicas famosas, incluindo sua primeira “Ecclesiam Suam” (de 1964), na qual destaca a importância do diálogo, e a “Populorum Progressio” (de 1967) sobre “o desenvolvimento dos povos”.

A Praça de São Pedro, no Vaticano, recebeu milhares de pessoas que assistiram a cerimônia de canonização de Dom Óscar Romero e Paulo VI. Crédito: Reprodução/Vatican News

Em sua homilia, Francisco ressaltou que “mesmo no meio do cansaço e dos mal-entendidos, Paulo VI deu testemunho de forma passional à beleza e à felicidade de seguir totalmente Jesus Cristo”. Aqui, ele parecia estar se referindo, entre outras coisas, à oposição com a qual Paulo VI se deparou, tanto dos setores mais tradicionais da Igreja em relação ao seu Concílio-reforma inspirada na liturgia e nas suas imposições de idade aos bispos e cardeais, quanto dos setores progressistas, em virtude da encíclica “Humanae Vitae” (1968) e dos setores políticos e econômicos de direita ao redor do mundo.

Francisco disse à sua audiência internacional, e às milhares de pessoas que vieram de Bréscia e de Milão, onde Giovanni Battista Montini, o futuro papa, nasceu e serviu como arcebispo: “Hoje, Paulo VI ainda nos incita, juntamente com o Concílio, cujo sábio líder ele era, a viver nossa vocação comum: a convocação universal à santidade. Não às meias medidas, mas à santidade.”

Disse ele, “é maravilhoso que junto dele e dos outros novos santos de hoje esteja o Arcebispo Romero, que deixou para trás a segurança do mundo, e até mesmo a sua própria segurança, para doar sua vida para seguir o Evangelho, se aproximando dos pobres e de seu povo, com um coração entregue a Jesus e aos seus irmãos e irmãs.”

Suas palavras sobre Romero foram, surpreendentemente, poucas, mas foram essenciais e muito aplaudidas pelos oito mil peregrinos salvadorenhos presentes, muitos deles balançando a bandeira de seu país.

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Um amigo fiel e colaborador do Arcebispo Romero, Gregorio Rosa Chávez, humilde bispo auxiliar de San Salvador que foi nomeado cardeal por Francisco em 2017, concelebrou a missa com o papa juntamente do arcebispo dessa mesma arquidiocese.

“Paulo VI dedicou sua vida ao Evangelho de Cristo, cruzando novas fronteiras e se tornando seu testemunho por meio da proclamação e do diálogo, um profeta de uma Igreja voltada para o seu exterior, olhando por aqueles que estão distantes e cuidando dos pobres,” disse o papa Francisco.

Papa Francisco se encontraria com os bispos de El Salvador na manhã desta segunda-feira e é esperado que ele anuncie uma visita ao país para rezar no túmulo de São Óscar Romero quando estiver de passagem pelo Panamá, em janeiro de 2019, para o Jornada  Mundial da Juventude.

Em sua homilia, Francisco mencionou brevemente os outros cinco novos santos que também corresponderam com “corações inteiros” ao chamado radical de Jesus. Dois deles foram padres italianos: Francesco Spinelli (1853-1913), que fundou uma ordem religiosa de mulheres devotadas à adoração do Santíssimo Sacramento, e Vincenzo Romano (1751-1831), um padre diocesano. Outras duas foram mulheres religiosas: a alemã Maria Caterina Kasper (1820-1898), e Nazária Ignácia de Santa Teresa de Jesus (1889-1943), que nasceu na Espanha, mas passou maior parte de sua vida na Bolívia e morreu na Argentina. Os bolivianos a consideram a primeira santa de seu país. O sétimo santo foi um rapaz de 19 anos, Nunzio Sulprizio (1817-1836). Ele era um aprendiz de ferreiro que sofria de problemas de saúde, mas que foi renomado por sua santidade. Francisco ficou muito satisfeito de poder canonizar Sulprizio enquanto acontece o sínodo sobre os jovens, muitos dos quais estavam presentes na cerimônia.

No fim da missa, o papa, que está nitidamente alegre e com uma boa saúde, cumprimentou os cardeais e os visitantes notáveis antes de ser levado no meio de uma plateia entusiasmada. Foi um dia histórico na vida da Igreja e que será lembrado por décadas, especialmente na América Latina.

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