COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Nova Portaria pede a composição de um Grupo de Trabalho para analisar a área em questão.

 

(AXA)

Foi publicado no Diário Oficial da União do dia 30 de Janeiro a revogação da Portaria nº 294 através da Portaria nº10 (confira aqui a Portaria nº 10). Publicada no dia 26 de novembro de 2014, a Portaria nº 294 declarava as áreas de várzea do Rio Araguaia como imóvel da União de interesse do serviço público. O imóvel estendia-se por 1.627.686 de hectares, abrangendo os municípios de Luciara/MT, Canabrava do Norte/MT, Novo Santo Antônio/MT, Porto Alegre do Norte/MT, Santa Terezinha/MT, São Félix do Araguaia/MT, Formoso do Araguaia/TO, Lagoa da Confusão/TO e Pium/TO.

Após a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) se reunir com nove prefeitos da região do Araguaia, senadores e deputados de Mato Grosso, na terça-feira, 28, o órgão voltou atrás e emitiu uma nova Portaria (nº 10 de 30 de Janeiro de 2015) revogando a primeira.

Durante o encontro com políticos da região e do estado a Secretária do SPU, Cassandra Maroni, manteve a afirmativa de que o objetivo da Portaria nº 294 era proteger o patrimônio público federal e combater a grilagem das terras realizando o ordenamento territorial e fundiário, além de assegurar o uso sustentável da área. Ela ainda sustentou que a medida atendia a recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) e prometeu conceder prazo de 60 dias para que todos os interessados apresentassem, coletiva ou individualmente, documentos que pudessem comprovar direitos e combater os atos da Portaria. Porém, dois dias depois, voltou atrás.

Na região, antes mesmo da publicação da Portaria nº 294 já se ouvia rumores de que um juiz, dono de terras em Porto Alegre do Norte e com bastante influência política, estaria articulando para derrubar a Portaria.

Imagem da área que havia sido declarada como Portaria de Declaração de Interesse do Serviço Público (PDISP)

Portaria cercada de boatos e especulações

Logo após a publicação da Portaria nº 294, foram disseminados boatos, corroborados por políticos ligados ao interesse dos fazendeiros, de que toda a área poderia virar Terra Indígena, sem que houvesse nenhum documento oficial neste sentido. Ao contrário, a própria SPU lançou uma nota de esclarecimento dizendo que “tais afirmações não tem nenhum fundamento”. Foram propagados rumores de que os moradores teriam que sair dali, que a população estava em pânico, que o preço das terras na região havia despencado, que essa área não é alagada pelo Rio Araguaia e que a Portaria teria sido feita em gabinete. Os boatos, sem dúvida, visavam formar na região uma opinião pública negativa da Portaria.

Apesar dos boatos disseminados, o próprio senador Wellington Fagundes (PR-MT) declarou que, durante reunião com a Secretária Cassandra Maroni, ficou entendido que não havia interesse do SPU em deslocar a população residente na área.

De fato, os fazendeiros da região seriam os mais prejudicados pela Portaria revogada. Aqueles que grilaram estas terras para formar latifúndios teriam suas fazendas passíveis de desapropriação. Grilar é o termo que se usa para a apropriação ilegal de grandes áreas de terras devolutas através de documentos falsos e é crime. É diferente da posse e do usucapião, na qual a pessoa se apropria de terra suficiente para se reproduzir: morar e trabalhar.

Já os produtores de soja que “chiaram” muito estariam interessados em adquirir quotas de Reserva Legal (RL) a preços módicos já que o novo Código Florestal permite que sejam compradas reservas fora da propriedade na qual ocorre o desmatamento, desde que seja no mesmo bioma. Ou seja, a área sendo da União não poderia mais ser comprada para reserva, nem poderia ser especulada.

Como a própria Portaria nº 294 colocava, ao tentar impedir que as áreas de várzea do Araguaia, ou seja, tudo que é espelho d’água inundável, fossem passíveis de compra e venda, visava a salvaguarda dos interesses das comunidades tradicionais que ali vivem, como posseiros, pescadores e retireiros. Enquanto terras públicas, a SPU deve identificar as comunidades tradicionais desses locais para conceder-lhes a posse, assim como aconteceu no Pantanal mato-grossense, nas áreas do entorno do Parque Nacional do Pantanal, também sob muita discordância. A Portaria nº 294 seria de grande importância para a luta dos Retireiros do Araguaia, que pleiteiam a demarcação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mato Verdinho. A RDS garantirá a posse da terra e o modo tradicional de produção e vida dos retireiros em Luciara.

O governador do estado de Mato Grosso, Pedro Taques, determinou que fossem encaminhados no último dia 30 ofícios a SPU questionando a finalidade da Portaria 294 e se a SPU não estaria, sob o pretexto de tornar a área de interesse da União, dando um “jeitinho” de burlar as condicionantes do caso Raposa-Serra do Sol, em Roraima, nas quais o Supremo Tribunal Federal impede, desde então, que Terras Indígenas já existentes tenham a área expandida. Apesar de ser este o entendimento atual mais disseminado, vale ressaltar que a Constituição Federal garante direitos originários dos povos indígenas aos seus territórios e é a legislação suprema do Brasil, portanto, está acima das condicionantes do caso Raposa-Serra do Sol.

A nova Portaria nº 10 da SPU mantém a necessidade de ordenamento fundiário e territorial na área

A revogação da Portaria nº 294 através da Portaria nº 10 não significa que o processo foi engavetado. A Portaria Nº 10 determinou a constituição de Grupo de Trabalho (GT) com a finalidade de promover estudos técnicos sobre a situação fundiária nas áreas sujeitas a inundações periódicas do Rio Araguaia localizadas nos territórios dos municípios abrangidos pela Portaria 294, e ainda acrescentou as cidades Santa Rita do Tocantins/TO e Dueré/TO.

O GT previsto deverá ser instalado em até trinta dias contados da publicação desta Portaria e deverá promover e fomentar a interlocução com os Estados de Mato Grosso e Tocantins, com os municípios referidos e com as entidades representativas locais.

A sucessão de fatos relativos a esta Portaria mostra uma disputa de forças entre o agronegócio com sua bancada ruralista, e o interesse público e das comunidades tradicionais. Com a revogação da Portaria, o agronegócio ganha tempo e poder de barganha nesta disputa.

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