COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O  desprezo à rica trajetória da pesca artesanal ali fica evidente nas estatísticas. O número de pescadores localizados na região metropolitana do Rio de Janeiro em 1991 era de 4774 trabalhadores, enquanto em 2010 contavam-se apenas 1771. A maior culpa nesse caso é a indústria petrolífera, mas ela não está sozinha nesse mar de ambições desmedidas...

 

(Fonte: Canal Ibase) 

Nos anos 1930, ao visitar a Baia de Guanabara, Claude Lévi-Strauss torceu o nariz, contrariando a opinião da maioria. Ele a descreveu como uma boca banguela o Pão de Açúcar e o Corcovado como dois tocos de dentes, desagradando aos amantes da paisagem. Imagine hoje o que diria ele, um dos maiores antropólogos de todos os tempos, se soubesse que nesse belo espelho d’água uma atividade tradicional está  sendo expulsa: a pesca, hoje praticada em apenas 12% dessa mítica superfície contínua de água. A disputa por espaço asfixia esta atividade que os índios já praticavam antes de os portugueses a descobrirem adentrarem a Baía, em janeiro de 1502, confundindo-a com a foz de um rio e lhe dando nome de Rio de Janeiro. O  desprezo à rica trajetória da pesca artesanal ali fica evidente nas estatísticas. O número de pescadores localizados na região metropolitana do Rio de Janeiro em 1991 era de 4774 trabalhadores, enquanto em 2010 contavam-se apenas 1771, ou seja, uma redução de cerca de 62%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maior culpa no cartório nesse caso é a indústria petrolífera, mas ela não está sozinha nesse mar de ambições desmedidas. Tudo indica que a história vai piorar com processo de licenciamento do Pré-Sal da Bahia de campos e a o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar (AHOMAR), o pescador Alexandre Anderson de Souza vem denunciando não só o abuso das atividades econômicas contra a pesca artesanal, mas também os atentados que ele e sua mulher sofreram e a morte de seis pescadores na Baía de Guanabara. Alexandre conta que a reação da segurança dos empreendimentos é a pior possível em relação à presença dos pescadores na Baía de Guanabara:

- Embarcações nossas já foram recebidas a tiros. Em 2010, visitamos 28 comunidades que beiram a Baía de Guanabara de Niterói a Duque de Caxias. Em todas elas, a pesca estava acabando. E isso é devido à perda do território, principalmente para empreendimentos petrolíferos. É uma expulsão dos pescadores. Boa parte deles está abandonando a profissão ou, diante da crise da atividade, sendo sustentados por terceiros – diz Alexandre.

A geógrafa Carla Ramôa Chaves, que fez dissertação de mestrado sobre o tema na UFRJ, mapeou os empreendimentos que sufocam a atividade pesqueira. Ela explica que os 12% restantes à atividade de pesca na Baia de Guanabara levam em conta as áreas de influência direta e indireta dos empreendimentos de grandes empresas causadoras de impactos ambientais, como Petrobras, terminais e refinarias. Mas há outros usuários da Baía, como a Marinha e o Exército. Os rios poluídos e até mesmo a Ponte Rio-Niterói são outros fatores maléficos à pesca.

- Em algumas áreas próximas a dutos, não é proibido pescar. Mas, como eles interferem na temperatura da água, os peixes se afastam da região. O próprio percurso das barcas do trajeto Rio-Niterói são um empecilho à pesca. Há também as barcas que vão para Paquetá. Tem uma área de segurança ali. O assoreamento em áreas da Baía, lixões, cemitérios de navios e a presença também do Exército, tudo isso vai minando a atividade e imprensando o espaço dos pescadores, que chegaram muito, muito antes de toda essa infraestrutura à Baía de Guanabara – diz Carla, ressaltando que mais de 46% do espelho d’água são tomados pela atividade petrolífera.

Em meio a esse clima opressor, há dois pescadores desaparecidos e outros quatro encontrados mortos, alguns com barcos perfurados de bala. O próprio Alexandre, além de ser vítima de tentativas de assassinatos, chegou a ser sequestrado e vive sob proteção policial.

- Nós estamos lutando, ao mesmo tempo, pela continuidade da pesca e pela preservação do meio ambiente na Baía de Guanabara – diz Alexandre.

Ex-chefe da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim, Breno Herrera diz que há muitos pescadores em depressão.

- Há caiçaras em profundo desgosto.

Especialista em Justiça Socioambiental, o professor Sebastião Raulino integra o Fórum dos Atingidos peoa Indústria de Petróleo e Química. Para ele, a Baía de Guanabara se transformou numa espécie de planta fabril da Petrobras, na qual um dos seus representantes mais danosos é a Refinaria Duque de Caxias (Reduc).

- A Baia de Guanabara é um grande ecossistema e, no seu entorno, moram mais de 10 milhões de pessoas que precisam ter qualidade de vida. Ocorre que toda essa população está sofrendo e vai sofrer com a poluição dessas atividades. Refinarias em operação, passando pelo Comperj em construção, geram poluição no mar e no ar. Há muito armazenamento de combustível na baía, oleodutos, gasodutos, navios com cargas perigosas, embarcações que soltam tintas tóxicas…

O pior de tudo é ouvir do poder público do Rio que a Baía de Guanabara vai estar despoluída para os Jogos Olímpicos de 2016. A ambição das empresas e dos governos que dão força a um modelo de desenvolvimento destrutivo deixam aquela beleza que tanta estranheza causou ao antropólogo franco-belga extremamente comprometida. Diante desse caos, os pescadores sofrem, tentam sobreviver e manter uma tradição que remete a um mar com água cristalina e mais espaço para pesca. Tristes trópicos.

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