COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Com presença da Força Nacional para garantir os estudos de impacto ambiental da hidrelétrica no rio Tapajós, indígenas se sentem "traídos" pelo governo federal, temem enfrentamento e afirmam: "nós vamos dizer como queremos ser consultados". 

 

 

(texto e foto CIMI)

"Vai ter guerra". Foi com esta sentença que lideranças Munduruku terminaram um telefonema com representantes da Secretaria Geral da Presidência, em Itaituba-PA, no último sábado, 30 de março. O contexto é a construção de usinas do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.


Na última quinta-feira, 28 de março, um destacamento da Operação Tapajós se deslocou para a aldeia Sawré Maybu, em Itaituba. Indígenas relatam que policiais fortemente armados, espalhados nos principais pontos de acesso à aldeia, têm feito revistas, registros fotográficos, interrogatórios, tentativas de forçar escoltas de ônibus com indígenas, sobrevoo pelas aldeias e monitoramento pelo rio, margeando a comunidade. Apesar da presença policial, os indígenas atestam não ter visto pesquisador algum.


Indígenas e organizações sociais denunciaram a ação do governo como uma "operação de guerra" e exigiram a suspensão da Operação Tapajós.


“Se o governo [federal] quiser diálogo com os Munduruku, tem que parar a Operação Tapajós e mandar tirar as Forças Armadas de nossas terras. Nós não somos bandidos. Estamos nos sentindo traídos, humilhados e desrespeitados com tudo isso. O governo não precisa da polícia e da Força Nacional para dialogar com o povo Munduruku. Nós queremos diálogo, mas só falaremos com o governo depois que todos os caciques do alto, médio e baixo [rio] Tapajós conversarem e tomarem sua decisão. É nosso último aviso. Se a Operação não parar, não vai ter mais diálogo com os Munduruku. Vamos acionar os caciques e vai ter guerra”, afirmaram os indígenas ao representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Tiago Garcia, na ligação telefônica de 30 de março.
 

Carta
Em nova carta ao governo, os indígenas denunciam a presença ostensiva da polícia no território indígena. "Helicópteros e voadeiras estão circulando pelo rio e pelo ar", relata a carta. "Estamos sendo humilhados e ameaçados pela Operação [Tapajós]. (...) As Forças Armadas estão espalhadas sobre o rio Tapajós, sobre a Transamazônica e nossos territórios, intimidando e ameaçando as pessoas, impedindo de navegar pelos nossos rios e circularmos livremente pelas estradas nas terras e aldeias. Não podemos pescar. Trabalhar, tomar banho no rio, caçar, andar livremente e viver nossa vida".


Os Munduruku também explicam que o governo federal não aguardou a "reunião das lideranças Munduruku, marcada para 10 de abril, para dizer como queremos ser consultados". Segundo a carta, os Munduruku se reuniriam com o governo para comunicar a decisão.


Leia na íntegra a "Carta do povo Munduruku para a Justiça, governo, sociedade mundial e povos indígenas".


Decreto
A Justiça Federal proibiu a concessão da licença ambiental para a hidrelétrica São Luiz do Tapajós, a pedido do Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA), enquanto não forem realizadas consulta prévia aos índios afetados e avaliação ambiental integrada de todas as usinas planeadas para a bacia do rio Tapajós. A hidrelétrica é parte do Complexo Hidrelétrico Tapajós, conjunto de cinco usinas que o governo pretende construir na bacia do rio.


Apesar da proibição, uma decisão da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Santarém permitiu a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros e técnicos nas terras indígenas para a realização de parte dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da hidrelétrica São Luiz do Tapajós.


Para garantir a consecução dos estudos, o governo federal, através do Decreto Nº 7.957, de 12 de março, alterou a lei que regulamenta o funcionamento da Força Nacional, garantindo que a a companhia "(...) poderá ser empregada em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação (...) de Ministro de Estado", e não apenas governadores e presidência, como estabelecia o decreto original. O decreto acrescentou uma nova atribuição à Força Nacional: "prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos".


Os Munduruku enviaram ao governo uma carta repudiando "essa maneira ditadora da presidenta que governa o País" e publicizando sua preocupação com o novo decreto, "porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos, na Aldeia Teles Pires".


Com esse decreto, o Ministério de Minas e Energia (MME), no dia 21 de março, pôde solicitar o uso da Força Nacional no estado do Pará. No dia seguinte, uma portaria ministerial do Ministério da Justiça autorizava o emprego do efetivo da companhia "para o fim de garantir incolumidade das pessoas, do patrimônio e a manutenção da ordem pública nos locais em que se desenvolvem as obras, demarcações, serviços e demais atividades atinentes ao Ministério de Minas e Energia".


Imediatamente ao menos 250 homens da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal foram deslocados para a região de Itaituba, às margens do rio Tapajós, sob justificativa de que acompanhariam os trabalhos do EIA.

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