COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Confira artigo de Diogo Cabral, assessor jurídico da CPT no Maranhão sobre os conflitos e a realidade fundiária no estado, em 2013.

 

Diogo Cabral*

 

O processo de modernização da agricultura brasileira - conservador, parcial, excludente e ecologicamente insustentável - acelerou a exclusão social e a degradação ambiental no campo maranhense. Este processo é caracterizado pela apropriação fraudulenta da terra, êxodo rural e violentos conflitos sociais no campo. A reprimarização da economia, que privilegia a produção de commodities agrícolas e minerais para o mercado externo tem consequências mortais para o campesinato maranhense, que se materializam no aumento exponencial da violência (assassinatos, ameaças de morte, despejos forçados), êxodo rural, desemprego e trabalho escravo.

 

Em 2013, o Maranhão se manteve na dianteira nacional em conflitos agrários. O quadro deste drama social pode ser representado pelos 3 assassinatos, ocorridos no P.A Capoema (Bom Jesus das Selvas), P.A Sit ( Santa Luzia) e P.A Santa Maria II ( Satubinha), o crescente número de ameaçados de morte, incluindo vários dirigentes sindicais, prisão ilegal de trabalhador rural, na comunidade Livramento (Codó), forte atuação de milícias armadas em Santa Maria dos Moreiras (Codó), Cipó Cortado (João Lisboa), Arame e Campo do Bandeira (Alto Alegre do Maranhão), Tiúba (Chapadinha) e de pistoleiros, em Baturité (Chapadinha), Vergel (Codó), Quilombo São Pedro (São Luís Gonzaga), Quilombos Salgado e Pontes (Pirapemas), Vilela (Junco do Maranhão). 

 

Verificou-se também a ação direta de agentes públicos atuando como verdadeiros jagunços, atormentando a paz e tranquilidade de várias comunidades maranhenses. Podemos destacar policiais militares de Codó, comandados pelo oficial Moura, que realizaram prisão e intimidações em comunidades tradicionais, a delegacia de Polícia Civil e policiais militares de Boa Vista do Gurupi, que realizam serviços para o grileiro de terras Nestor Osvaldo Finger, fatos estes oficiados à Delegacia Geral de Polícia Civil, em maio de 2013, por meio do Ofício Fetaema 99/2013, que não tomou nenhuma providência a fim de apurar as ilicitudes. Na comunidade Engenho, em São José de Ribamar, a tropa de choque da PM e jagunços, sob os comandos do secretário de estado Alberto Franco, despejaram e destruíram, sem ordem judicial, várias linhas de roças de centenas de famílias de pequenos agricultores.

 

A impunidade também foi cenário dos conflitos agrários em 2013, com especial destaque para a comunidade Vergel, em Codó, onde dois indiciados foram absolvidos pela prática de tentativa de homicídio contra lavradores e que até hoje, nunca foi instaurado inquérito policial para apurar a morte do lavrador Alfredo, ocorrida em agosto de 2007, fato este levado ao Ministério Público Estadual e Polícia Civil e no P.A Maracumé-Mesbla, onde uma liderança dos trabalhadores do campo sofreu três tentativas de homicídio, sem que até hoje tenha ocorrido julgamento. Talvez o fato mais grave que ocorreu em 2013, no que tange à impunidade, foi a decisão do magistrado Alexandre Lima, da Comarca de São João Batista, que, sem fundamento no direito brasileiro, remeteu o processo criminal que trata do brutal assassinato do líder quilombola da Comunidade Charco ,Flaviano Pinto Neto, para a justiça federal.

 

Também, várias foram as decisões provenientes do Poder Judiciário do Maranhão, determinando a expulsão de centenas de famílias de trabalhadores rurais de suas terras, repetindo um padrão histórico de violência contra o campesinato maranhense, com destaque para as liminares expedidas pelas Comarcas de São Mateus, que determinou o despejo de 3 comunidades de Alto Alegre ( Boa Hora, Arame e Campo do Bandeira), Pinheiro, que determinou duas em Pedro do Rosário (Imbiral e Boa Esperança), Senador La Rocque, que determinou vários despejos em Cipó Cortado, Codó, que concedeu 5 liminares contra as comunidades Três Irmãos, Santa Maria dos Moreiras e Livramento, Chapadinha, que concedeu 2 liminares contra trabalhadores de Baturite e Capão, além do juiz da Comarca de Bequimão, que determinou o despejo da comunidade quilombola Sibéira. Ademais, o próprio Tribunal de Justiça do Maranhão solapou direitos de comunidades tradicionais, em decisões que desterraram trabalhadores de Santa Maria dos Moreiras e Buriti Corrente, ambas em Codó.  Em dezembro, foi determinado pela Justiça de São Bento o despejo compulsório de 45 lavradores assentados da reforma agrária no P.A Dibom 1, em Palmerândia, que foi suspenso pelo desembargador Velten Pereira, após recurso de agravo de instrumento interposto pelas famílias.

 

Por oportuno, os governos federais e estaduais praticam verdadeira contrarreforma agrária, na marra. Até hoje, nenhum decreto presidencial que declara área de interesse social para fins de reforma agrária foi emitido para beneficiar áreas no Estado do Maranhão, apesar das centenas de processos administrativos represados no INCRA. Em relação às comunidades quilombolas, apesar das inúmeras violências praticadas contra este grupo étnico, os procedimentos de titulação se encontram paralisados, ao passo que o agronegócio avança sobre os territórios tradicionais. Quanto ao Estado do Maranhão, seu órgão de terras é completamente desaparelhado, com forte limitação de recursos humanos e técnicos, o que reflete a posição histórica dos governos estaduais, em promover o agrobusiness, em detrimento da agricultura familiar. Em decorrência desta morosidade histórica, dois igrejas foram derrubadas (Tiúba e Vergel), 40 casas derrubadas (Arame, Campo do Bandeira, Tiúba, Santa Quitéria, Vergel), centenas de hectares de roças destruídos e duas residências explodidas por dinamites, na comunidade Santa Rosa, em Urbano Santos.

 

Aos camponeses maranhenses, num processo de autoconsciência, somente cabe desafiar a ordem imposta pelo latifúndio escravocrata que persiste em querer ditar as relações sociais e de produção a ferro e fogo.

          

*assessor jurídico da CPT/MA e da FETAEMA

 

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