COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Por Carlos Henrique Silva / Comunicação CPT Nacional, com informações da CPT Rondônia

 

 

Foto: Adilson Alves Machado / CPT-RO

 

Os danos da violência no campo não se restringem aos atos e ameaças, ou às frias estatísticas das vítimas fatais. Pessoas que sobrevivem após testemunharem ou serem vítimas de torturas (e isto inclui familiares, pessoas amigas e companheiras de luta), carregam consigo consequências psicológicas difíceis de superar, semelhantes às vivenciadas durante as guerras ou ditaduras. 

Um exemplo desta situação acontece na região de Corumbiara (RO), cenário de um massacre ocorrido em 09 de agosto de 1995, quando 8 sem-terra, incluindo uma criança, foram mortos durante a madrugada, em uma investida de cerca de 300 pistoleiros e policiais contra um acampamento na ocupação da Fazenda Santa Elina, com bombas e tiroteio por cerca de quatro horas. No confronto, dois policiais morreram diante da reação dos trabalhadores, pegos de surpresa enquanto dormiam. Do lado dos sem-terra, além dos 8 mortos, foram 20 trabalhadores desaparecidos, 350 gravemente feridos e 200 presos. 

Mesmo tendo se passado 28 anos do crime, a realidade mostra a necessidade de políticas públicas não apenas de reparação dos bens perdidos, mas também recuperação da dignidade e da humanidade das vítimas. Neste sentido, a CPT Rondônia, junto com outras organizações e sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais (STTRs) dos municípios de Vilhena, Chupinguaia e Corumbiara, estiveram presentes no último sábado (05) no Assentamento Zé Bentão, um dos que foram criados na área onde aconteceu o massacre.

O encontro, organizado pelo Conselho Regional de Psicologia Rondônia/Acre (CRP 24a Região), debateu o tema da Psicologia Social no campo, apresentando o lançamento das Referências Técnicas de Atuação do Psicólogo e Psicóloga em Questões Relativas à Terra. O momento também foi de escuta das principais necessidades de agricultores e agricultoras familiares em relação ao atendimento psicológico no campo. Independente da ocasião, a política de saúde mental é um grande lacuna e demanda das comunidades camponesas.

Órfãos, familiares e demais pessoas envolvidas ainda continuam muito abaladas, como é o caso de Genadir Ribeiro, conselheiro da CPT que vivenciou o massacre e continua em Corumbiara. Além de dois irmãos que vivenciaram o massacre, um irmão que era vereador na época, foi morto quatro meses depois, como desdobramento do caso, por dar apoio às vítimas.

De acordo com Anne Cleyanne, Técnica de Referência em Políticas Públicas do CRP24 e idealizadora do evento, o sentimento ainda é de injustiça: “Fizemos um trabalho de acolhimento, de ressignificação, e percebemos que dói para estas famílias ver o local onde aconteceu todo o fato estar abandonado, como se todos os que perderam a vida ali estivessem esquecidos.”

Como medida mais imediata, o Conselho articulou com a prefeitura a transformação do local em um memorial, com fundação prevista para o próximo dia 22 de agosto. Uma placa de homenagem, personalizada de acordo com a escolha dos moradores, também está sendo produzida para a ocasião.

Um fato que retrata esta situação é o assassinato do agricultor Odair Ferreira Dornelas, de 52 anos, ocorrido no dia 17 de junho em seu sítio, no Assentamento Zé Bentão. “Odair era um dos sobreviventes do massacre de Corumbiara, e mesmo com o crime a ser esclarecido não tendo ligação direta com conflitos no campo, parece ser consequência das sequelas psicológicas depois de ter sido torturado no massacre”, afirma Josep Iborra Plans, agente da CPT/RO e membro da Equipe de Articulação das CPTs da Amazônia.

As situações enfrentadas por Odair e outras pessoas torturadas nesse episódio são tão desumanas e catastróficas, que não é possível mencioná-las. Vizinhos e conhecidos informam a realidade de pessoas que se tornaram alcoólatras, de difícil convivência social, causadoras de confusões e ameaças contra desafetos na comunidade.

“As investigações caminham na confirmação da hipótese de que os que se sentiram ameaçados podem ter se adiantado a matar quem os ameaçava. Em todo caso, considerar a morte como consequência das torturas sofridas durante o massacre de Corumbiara em 1995 abre espaço a reconsiderar o registro como assassinato em consequência de conflito no campo”, reforça Josep.

 

Foto: Adilson Alves Machado / CPT-RO

O massacre e o julgamento – Além do relato já mencionado acima, a perícia apontou casos de execução entre os mortos e de espancamento entre os sobreviventes. Relatos apontam que mesmo após dominados, os acampados foram arrastados, pisoteados, enfileirados e chutados, além de receberem tiros na orelha e em várias partes do corpo. Até o final da década, foram intensas as mobilizações pelo julgamento e para que o massacre de Corumbiara não fosse esquecido. No julgamento acontecido em 2000, saíram condenados os posseiros Cícero Pereira Leite Neto (seis anos e dois meses de reclusão) e Claudemir Gilberto Ramos (oito anos e meio). Entre os PMs, foram sentenciados os soldados Airton Ramos de Morais, a 18 anos, e Daniel da Silva Furtado, a 16 anos, e o então capitão Vitório Régis Mena Mendes, a 19 anos e meio.

 

Conflitos que permanecem – O estado de Rondônia continua sendo marcado por conflitos, principalmente com as denúncias de grilagem e a radicalização de movimentos locais de luta por terra. Neste ano, já houve mais três mortes no acampamento da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) Thiago Campin dos Santos, localizado em Nova Mutum, distrito de Porto Velho, além de outra liderança da LCP assassinada no distrito de São Lourenço de Vilhena. Com isto, já somam 13 mortes de camponeses ou de seus aliados do acampamento, em retaliação pela morte de dois policiais em 2020. “A maioria destas mortes foram em supostos confrontos com a polícia, e nenhuma delas tem sido investigada ou punida”, destaca Josep Plans.

 

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