COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Seja em Lagoinha, situada nos contrafortes da Serra do Mar, seja em Pindamonhangaba ou em São José dos Campos, lavradores sem-terra persistem na busca por terras agricultáveis que gerem alimentos e lhes garantam dignidade.

 

(Fonte/Foto: Antonio Biondi e Pedro Biondi, no Jornal do SindCT).

Desintegração do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Cortes nos recursos a serem utilizados para obtenção de terras, aquisição de alimentos, educação no campo, combate à violência fundiária e promoção da agricultura familiar.

Aumento da quantidade de conflitos, com número de mortes recorde em 2016 (61, maior em 13 anos) — e em 2017, diversos massacres no campo, como os de Colniza (MT) e Pau D’Arco (PA).

Somente no primeiro semestre deste ano, o número de assassinatos ocasionados por conflitos fundiários já superou o total de 2016, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Consequências trágicas de um governo que tem os ruralistas na sala de comando e está decidido a fazer uma “antirreforma agrária”.

Mas quem está segurando a enxada, enfrentando sol e chuva e morando debaixo de lona não pode se dar ao luxo do desencanto.

À beira do Rio Paraitinga, no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, uma fazenda alimenta os sonhos e o dia a dia de 55 famílias: a “Bela Vista”, composta de 1.650 hectares (ha) cercados por latifúndio, Pinus e eucalipto em Lagoinha, nos contrafortes da Serra do Mar.

Desde novembro de 2015, e enquanto a decisão definitiva sobre a propriedade não sai, diversas famílias de sem-terra de Pindamonhangaba, Taubaté, São José dos Campos, Jacareí, São Luiz do Paraitinga, Campinas e outras cidades seguem acampados, e produzindo, naquelas terras. “Já plantamos 150 espécies nativas na área em que estamos na margem do rio”, conta Gabriel do Rio, do coletivo de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“Tinha muita erosão, que assoreava vários trechos do leito, e as nascentes estavam pisadas pelo gado. Já tiramos muito boi morto do rio e estamos trabalhando para recuperar as áreas degradadas, para implementar um projeto de referência em agricultura agroecológica”.

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Os integrantes do movimento têm participado de cursos nesse sentido, realizados com apoio da Rede Agroflorestal do Vale do Paraíba, que envolve organizações não governamentais, entidades, instituições de ensino e pesquisa e órgãos de governo ligados ao tema e que pretende ampliar esses diálogos e articulações.

“Queremos fortalecer também a produção sustentável, a alimentação saudável e o consumo consciente, que são questões de interesse da população em geral”.

Pindamonhagaba

Em agosto, outras 60 famílias ocuparam por dez dias parte da “Fazenda do Estado”, pertencente ao polo regional da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), em Pindamonhangaba. Dos 1.425 ha da fazenda próxima à Rodovia Presidente Dutra, 350 ha estão identificados como terras improdutivas e disponíveis para privatização conforme a lei estadual 16.338, de dezembro de 2016.

Elaborada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e referendada pela Assembleia Legislativa apesar da objeção de setores do funcionalismo estadual, essa lei elenca cerca de 70 terrenos, imóveis, parques e propriedades rurais para venda, doação ou outras formas de alienação.

A nova ocupação tinha como proposta assentar 30 famílias para produção voltada ao abastecimento das cidades vizinhas.

No entanto, a APTA reagiu, “entrou com o pedido de despejo das famílias”, e obteve uma decisão judicial favorável.

“Com o apoio da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), de parlamentares e de advogados/as populares foi solicitada a realização de uma audiência de conciliação, prevista no novo Código de Processo Civil, a fim de debater o projeto do MST para a área e evitar conflitos.

Em uma decisão contraditória, de teor político-ideológico e não jurídico, além de negar o direito à audiência de conciliação, a juíza da 1ª Vara Cível de Pindamonhangaba culpabilizou as famílias trabalhadoras rurais pelo crescente aumento da violência no campo”, informou, em nota, a direção regional do MST.

“Está muito difícil, muita criminalização, mas pode deixar que vai crescer”, afirma Tainara Lira, integrante da coordenação do acampamento e da direção regional do MST. “Sem luta, não tem conversa”, conclui, lembrando a recente Jornada Nacional de Lutas com ocupações de áreas pertencentes a políticos denunciados e o caráter de denúncia, para além da finalidade imediata, da entrada em terras como essas.

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Em outubro (17), o movimento realizou nova edição da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, tendo como objetivo “denunciar os retrocessos na Reforma Agrária promovidos pelo Governo Golpista”, focando nos cortes no Orçamento de 2018 e no desmantelamento das políticas públicas do setor. Em São Paulo, cerca de 400 famílias ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Resistência

O mestrando Lucas Tinti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que tem nos sistemas agroflorestais um dos seus principais focos de pesquisa, aponta um ciclo contra-hegemônico em consolidação no Vale do Paraíba.

“A região experimentou um intenso crescimento da monocultura do eucalipto nos anos 1970, 80 e 90. Depois, foi-se formando uma importante resistência, que envolve movimentos sociais, Defensoria Pública e pequenas organizações, que seguraram em parte o processo e até começaram a revertê-lo em alguns casos”, explica.

“Exemplo é a recuperação de áreas degradadas para voltar a ser área com cobertura florestal e para produção de alimentos”. Participante do Programa em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe — realizado em parceria entre a Unesp, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e a Via Campesina — ele destaca o papel da Rede Agroflorestal nessas frentes e a importância de articular a pauta da reforma agrária com a população e os movimentos urbanos.

Tinti explana sobre o processo de ocupação do Vale, que começa influenciado pelo Ciclo do Ouro, mas, pela baixa presença de minérios, no século XVIII dá lugar à cana, no sistema de plantation. Depois, o café chega forte à região, valendo-se especialmente da força de trabalho escrava.

Tendo chegado ao seu auge entre as décadas de 1800 e 1890, o café começa a perder terreno com a Abolição e a perda da diversidade e da qualidade dos solos, entre outros fatores. “E a Crise de 1929 quebra todo mundo, pois havia grandes empréstimos em jogo”, explica.

A produção de leite, o arroz na várzea, a criação de gado e a produção de frutas passam a marcar presença, atendendo à demanda local e ao consumo dos grandes centros urbanos no eixo Rio de Janeiro-São Paulo.

A ditadura militar, posteriormente, traz o estímulo à monocultura do eucalipto, que recebe apoio nacional, internacional e do governo estadual.

 

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