COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Uma força-tarefa realizada entre os dias 2 e 6 de dezembro resgatou 17 trabalhadores de seis fazendas na região sudoeste de Mato Grosso do Sul, em situação análoga à escravidão. O resgate aconteceu após um deles ter percorrido 100 quilômetros a pé, de Porto Murtinho ao Ministério Público Estadual em Bela Vista, e realizar a denúncia.

(Mídia Max com informações do MPT-MS)

De acordo com o trabalhador, ele estaria há dois meses prestando serviços na carvoaria de uma fazenda próxima a Porto Murtinho, e teria recebido apenas R$ 100 pelo trabalho. E após ser agredido deixou o local e percorreu mais de 100 quilômetros até o MP-MS em Bela Vista para reclamar seus direitos. Em depoimento ele ainda afirmou que não sabe ler nem escrever.

Através da denúncia, a força-tarefa realizada pelo MPT-MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), MPF-MS (Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul), Superintendência Regional do Trabalho e PMA (Polícia Militar Ambiental), foram resgatadas 17 pessoas contratadas para a produção de carvão vegetal e construção de cercas e casas.

Foram fiscalizadas ao todo seis fazendas nas cidades de Bela Vista, Caracol e Porto Murtinho. Do total uma estava desativada, em outra não havia trabalhadores e na terceira as condições não estavam degradantes. Já nas outras três os trabalhadores foram retirados de ambientes com condições degradantes de trabalho. Uma das pessoas ainda seria paraguaia.

Em duas propriedades rurais próximas a Porto Murtinho, distante 454 quilômetros de Campo Grande, as pessoas que foram resgatadas, segundo o MPT-MS, estavam alojadas em barracos improvisados com lona e galhos de árvores. O local não tinha iluminação e como cama eram usadas estruturas de madeira montadas diretamente no chão, além de não existir banheiro para uso dos trabalhadores.

A água – com aspecto turvo e barroso – usada no banho, para consumo e preparo dos alimentos era retirada de um córrego, próximo à área onde estavam acampados, com galões lubrificantes. As carnes que eram consumidas pelos trabalhadores, ficavam suspensas em varais em contato com a sujeira e contaminantes diversos.

Já no município de Caracol, a 384 quilômetros de Campo Grande, um trabalhador foi resgatado. Ele estava na fazenda há dois meses e receberia R$ 18 por forno de carvão – o total eram 23 unidades no local. Em dois meses ele teria recebido menos de R$ 500 e não retornou para Bela Vista onde morava antes da contratação.

No local as condições de saúde e segurança para os serviços executados levantaram preocupação da fiscalização. Entre outras irregularidades, o trabalhador não teve acesso aos equipamentos de proteção individual.

Ainda segundo o MPT-MS, na propriedade rural próxima a Bela Vista, o cenário era de graves infrações trabalhistas cometidas na produção de carvão vegetal. Assim como em Caracol, parte dessas irregularidades foi classificada pelo órgão como reincidente, já que, em 2013, o mesmo empregador de ambas as fazendas firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para cumprir uma série de regras relativas ao meio ambiente laboral, por ocasião de diligência, que constatou diversas violações de normas trabalhistas em outra carvoaria pertencente a ele.

Além disso, em 2015, foi ajuizada uma ação em face do mesmo empregador para executar o TAC, depois que auditores-fiscais detectaram inúmeras infrações trabalhistas que implicavam o descumprimento do termo, resultando na lavratura de relatórios e autos de infração usados como prova na ação.

Resgates recentes

Em Mato Grosso do Sul, até o momento, foram 36 trabalhadores resgatados em situações análogas às de escravos. Em abril deste ano, seis foram retirados de uma propriedade rural em Rochedo, após serem flagrados laborando em circunstâncias degradantes na produção de carvão.

No mês de outubro, outras 13 pessoas de origens brasileira e paraguaia foram retiradas em situações humilhantes de fazendas nos municípios de Caracol e Bela Vista. Uma delas laborava há 11 anos na propriedade rural.

Escravidão moderna

Conforme explicado pelo MPT-MS, até o século XIX, pelourinhos, açoites, grilhões estavam intimamente associados à figura do trabalhador escravo. Chegado o século XXI, os flagelos físicos não mais servem como parâmetros para identificar a escravidão. Agora, o indivíduo escravizado tem sua autonomia restringida por circunstâncias de trabalho que, de tão humilhantes, suprimem sua dignidade enquanto pessoa.

Em Mato Grosso do Sul, a escravidão moderna se concentra no meio rural e pode ser reconhecida quando constatada a submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho ou a servidões por dívida. Trata-se de formas de exploração que violentam a própria natureza humana dos trabalhadores, ao subtraírem os mais básicos direitos, como alimentação, higiene e exercício de um trabalho digno.

Conforme o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, uma ferramenta digital desenvolvida pelo MPT e pela Organização Internacional do Trabalho-Brasil, entre 2003 e 2018, mais de 2,6 mil pessoas foram resgatadas em condições análogas às de escravo no Estado de Mato Grosso do Sul, o que corresponde a uma média de 167 vítimas por ano. Em torno de 60% delas se declararam analfabetas. A maioria é do sexo masculino, com idade que varia entre 18 e 24 anos. Quase 90% das vítimas eram trabalhadores agropecuários.

O combate ao trabalho escravo moderno exige a adoção de medidas positivas pelo Estado, contemplando a implementação de ações preventivas e de repressão. A exploração de trabalhadores nessas situações gera repercussões administrativas, cíveis e criminais. As penalidades vão desde multas administrativas aplicadas por auditores-fiscais até a responsabilização do empregador pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de até oito anos.

Em outubro de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, uma instituição judicial autônoma da OEA (Organização dos Estados Americanos), responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e de tráfico de pessoas.

A sentença decorreu de um processo envolvendo a Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará. O Brasil foi o primeiro país condenado pela OEA nessa matéria.

 

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