COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Ministério Público abriu inquérito para investigar desvio de um milhão de reais de recursos de combate ao trabalho escravo no estado do Mato Grosso, um dos estados que mais escraviza trabalhadores no Brasil.

 

(Fonte/Foto: Marcio Camilo-Muvuca Popular).

O Governo do Estado está sendo acusado de desviar mais um recurso. Depois da CPI dos Fundos – que investiga problemas na aplicação dos recursos à Educação (Fundeb) e infraestrutura de estradas (Fethab) – o Ministério Público Estadual (MPE) decidiu abrir inquérito para apurar o desvio de mais de R$ 1 milhão do Fundo de Erradicação do Trabalho Escravo em Mato Grosso (FETE). O estado tem um dos maiores índices de trabalho escravo do país, entre os entes federados.

Por conta do desvio, a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-MT) – órgão vinculado à Secretaria de Estado de Justiça e Direito Humanos (Sejudh-MT) – está com as atividades paralisadas desde dezembro de 2016. O valor – oriundo da Justiça e do Ministério Público do Trabalho – é o único recurso na implementação de políticas públicas de prevenção e combate ao trabalho escravo.

No inquérito – instaurado no último dia 5 de fevereiro – o MPE dá prazo de 20 dias para que a Sejudh preste informações sobre os valores destinados ao FETE, “informando, ainda, o montante utilizado e o prazo em que a verba será reintegrada ao fundo, dentre outras informações que entender pertinentes”.

O MPE salientou que o Governo do Estado pode ser enquadrado na lei 8.429/92, que diz respeito a enriquecimento ilícito de agentes públicos, bem como “ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”.

De acordo com o presidente da Coetrae, Inácio Werner, os desvios ocorrem há anos e foi confirmado pela própria Sejudh durante reunião com os membros da Coetrae, em setembro do ano passado. “Eles informaram que usaram o dinheiro (cerca de R$1,2 milhões) para arcar com gastos ordinários da secretária, como a compra de comida para os presos e pagar salários dos funcionários [da Sejudh]”.

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Ao fazer isso, explica Werner, o governo infringiu a lei, pois quem define a destinação dos recursos é o Conselho Gestor do Fundo de Erradicação do Trabalho Escravo (CGFETE). “Somente o conselho pode determinar como dinheiro será aplicado”, enfatizou.

Ele destacou ainda que o governador Pedro Taques, durante audiência em junho do ano passado, prometeu devolver o dinheiro ao fundo. “Mas até agora nada”, pontuou Werner que também é coordenador do Fórum dos Direitos Humanos e da Terra.

Em Mato Grosso: das 154 pessoas resgatadas no Brasil em situação análoga à escravidão no período de janeiro a julho de 2017, 82 foram no estado, o correspondente a 53% do total geral.

Agronegócio e trabalho escravo

Para a coordenadora da Comissão da Pastoral da Terra (CPT), Bete Flores, que também integra a comissão da Coetrae, esse ‘sequestro’ das verbas do FETE demonstra que a atual gestão do governo do estado “não tem nenhum compromisso com o combate ao trabalho escravo”.

Ocorre que muitos dos trabalhadores que são resgatados estão em fazendas onde a principal atividade é o agronegócio, seja na produção de grãos (soja, milho e algodão) ou na agropecuária (criação de gados).

Os barões do agronegócio também foram os principais financiadores da campanha de 2014 que levou Pedro Taques ao governo do estado. Só o empresário Eraí Maggi, considerado o rei da soja’, doou R$ 676, 7 mil a Taques.

Outro produtor rural que abasteceu o caixa do governador foi Nelson José Vigolo, proprietário do Grupo Bom Jesus. Na época ela doou R$ 950 mil a campanha de Taques. As doações estão registradas no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TER-MT).

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“Ele [Taques] não vai tomar providências porque quem é que utiliza mão de obra escrava? É o agronegócio. Você espera que um governo, que tem um vice-governador, sendo quem é, ele vai promover alguma coisa de prevenção ao trabalho escravo?”, questionou a coordenadora da CPT ao se referir a Carlos Fávaro (PSD) – ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), sendo uma das principais lideranças do agronegócio no estado.    

‘Governador enrolado’

Bete Flores afirma que durante a sua posse como governador, Taques garantiu que uma das principais prioridades de seu governo seria combater o trabalho escravo. Mas segundo Flores, desde então “a única coisa que ele fez foi enrolar” as entidades que tratam do assunto em Mato Grosso.

“No dia 31 de janeiro de 2015 teve uma atividade lá no palácio [Paiaguás – sede do governo], inclusive eu estava compondo a mesa, aonde o Pedro Taques garantiu que a prioridade do governo dele seria a prevenção e o combate ao trabalho escravo. Ele não fez absolutamente nada. De lá para cá a única coisa que ele fez foi enrolar. Ele só tinha que viabilizar a liberação de um recurso nosso, e nem isso ele fez”, criticou.

Trabalho prejudicado

Os recursos do FETE, confiscados pelo governo, integram a única verba que a Coetrae dispõe para desenvolver as ações de prevenção ao trabalho escravo. Sem essa verba, as atividades da comissão estão paradas há mais de um ano.

Nesse período a comissão já deixou de desenvolver parcerias importantes, como o projeto “Escravo Nem Pensar”, em conjunto com a Ong Repórter Brasil – umas das mais importantes entidades do setor.

“Outra ação seria o trabalho com as comunidades aonde estão inseridos os trabalhadores regatados em Mato Grosso. A gente poderia ter feito um trabalho de prevenção, de geração de renda, para que esses trabalhadores não precisassem mais se submeter ao trabalho escravo”, citou a coordenadora da CPT, Bete Flores.

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