COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Mânica foi condenado a 100 anos de prisão; José Alberto, a 96 anos. Em janeiro de 2004, três auditores e um motorista foram mortos na cidade.

 

(Raquel Freitas, Do G1 MG)

Norberto Mânica e José Alberto de Castro foram condenados, na noite desta sexta-feira (30), pelas mortes dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e do motorista Aílton Pereira de Oliveira, no crime conhecido como a Chacina de Unaí. Os réus foram julgados por quatro dias, pela Justiça Federal, em Belo Horizonte

O fazendeiro Mânica foi condenado a 100 anos de prisão. Descontados os dias que já ficou preso, a pena final foi de 98 anos, seis meses e 24 dias. Já José Alberto de Castro pegou 96 anos, dez meses e 15 dias de reclusão, mas foram abatidos 146 dias que já ficou detido, totalizando 96 anos, cinco meses e 22 dias de reclusão. Os dois vão poder recorrer em liberdade, mas estão proíbidos de sair do país e terão que entregar os passaportes em 24 horas.

O conselho de sentença foi formado por quatro mulheres e três homens. O júri foi presidido pelo juiz federal Murilo Fernandes de Almeida e durou quatro dias. Em janeiro de 2004, os servidores foram mortos em uma emboscada. Eles investigavam trabalho escravo na região onde Mânica tem uma fazenda, no Noroeste de Minas Gerais. O alvo da execução seria, segundo testemunhas, Nelson José da Silva, um dos fiscais mortos. Ele era conhecido por ser rigoroso e ter conduta ilibada. Três pistoleiros já foram condenados e outros dois réus, o ex-prefeito de Unaí Antério Mânica e o empresário Hugo Alves Pimenta, serão julgados em novembro.

Os dois advogados de defesa consideram soberana a decisão dos jurados, mas afirmaram que vão recorrer. Após o magistrado ler a sentença, os presentes gritaram “justiça ainda que tardia” relembrando o nome das quatro vítimas.

O Ministério Público Federal considerou a pena razoável, e não falou em recorrer. "Acho que conseguimos, finalmente, dar uma resposta à sociedade. Isso é  muito bom para que a gente evite a repetição de fatos como esse, tão graves. (...) A justiça foi feita com certeza", destacou a procuradora Miriam Lima.

Sobre Antério Mânica, que será julgado na próxima semana, ela afirmou também acreditar em condenação.

Durante os debates entre acusação e defesa, que antecedeu a reunião do conselho de sentença, o procurador da República Gustavo Torres disse que a chacina de Unaí foi "crime de pistolagem". “Isso é decorrência de um crime de pistolagem. Algo que a gente não pode aceitar no Brasil”, afirmou o procurador durante o júri, nesta sexta-feira (30). Torres disse que a legislação brasileira é branda ao se referir ao tempo de duração do processo.

Depois, os advogados dos dois réus sustentaram que o mando da emboscada foi do empresário Hugo Alves Pimenta. "O que resta tecnicamente falando para esse processo, a delação do Hugo [Pimenta], que é um pscicopata, manipulou o Ministério Público, a polícia, e as pessoas envolvidas", disse o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representa o fazendeiro. Kakay reafirmou durante o julgamento que não há provas ou indícios contra Mânica. "Tenho convicção de que ele é inocente".

O advogado Cleber Lopes, que defende José Alberto de Castro, disse que seu cliente deve pagar pelo que fez, mas também tentou desqualificar a versão de Pimenta. "Eu não estou pedindo absolvição de Zé Alberto, estou mostrando que há vários depoimentos que revelam as mentiras de Hugo Alves Pimenta".

O empresário confessou sua participação no crime nesta quinta-feira (29). "José Alberto de Castro esteve ontem na presença dos senhores e confessou, confessou de maneira transparente. Um homem absolutamente sincero esteve aqui disse tudo o que sabia".

“Nós não vamos poder aqui fazer justiça plena. Nós não vamos poder dar ao fato o castigo que a barbaridade merece por causa da lei brasileira. [...] Depois de inúmeros recursos, todas as técnicas processuais para atrasar esse julgamento por 11 anos, nós estamos aqui nesse dia histórico”, disse o procurador Gustavo Torres, durante o debate.

Viúvas das vítimas
A viúva do fiscal Nelson José da Silva, Elba Soares, afirmou que esperava a pena máxima de 120 anos, mas considerou que a justiça foi feita em parte, pois os dois condenados podem recorrer em liberdade. "Vamos esperar o recurso, vamos esperar ele ir para cadeia, para gente ver a justiça ser feita”, disse após o fim do julgamento.

A viúva de Eratóstenes de Almeida, Marinês Lina, também considerou a condenação dos dois réus como uma vitória parcial. “A luta ainda continua porque ainda falta gente, falta mandante ainda. Só termina no dia 10. Então, é só meio caminho andado. A vitória vem parcial. Não terminou ainda, não”, avaliou.

Para a viúva de João Batista Lages, Genir Lages, o resultado do julgamento é “um começo de uma reposta para o sofrimento de longos 12 anos”. “[A condenação] é um alento para dor que a gente sentiu. Porque são 12 anos de tristeza absoluta, porque ele levou todo o riso, toda a paz, destruiu a nossa família, mas é um novo alento”, afirmou.

Defesa de Norberto Mânica
“Ninguém sai satisfeito condenado a cem anos de cadeia”, declarou o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro sobre o fazendeiro Norbeto Manica. Logo após deixar a Justiça Federal, ele também disse que tinha convicção na absolvição do cliente e que a defesa sustentou uma “tese de tudo ou nada” por acreditar na inocência do réu. “Eu sabia que, se fosse condenado, a pena, necessariamente, seria alta porque existiam três qualificadoras”, ponderou.

Apesar da condenação do cliente, Kakay ressaltou que a defesa do fazendeiro conseguiu fazer com que “o júri admitisse o falso testemunho do principal acusador”, o que, para ele, demonstra uma contradição.

Defesa de José Alberto de Castro
O advogado Cleber Lopes, que defende José Alberto de Castro, disse que respeita a decisão dos jurados, apesar de acreditar que ela contraria as provas dos autos. “A pena, ao nosso ver, está em um patamar elevadíssimo. (...) Esperava a condenação dele por um homicídio e a absolvição pelos outros três homicídios (...) Nossa expectativa é que, se não anulemos o julgamento, que, pelo menos, haja uma redução significativa da pena”, afirmou.

Segundo ele, o cliente está abatido por não esperar uma condenação "desse patamar".

Defesa do delator
O advogado de Hugo Pimenta, delator do crime, acredita que a palavra do réu foi fundamental para condenação. “O fato de os jurados determinarem a abertura de um inquérito ou de investigações para se averiguar se o Hugo efetivamente mentiu em juízo me deixa tranquilo porque a resposta foi dada. Foi exclusivamente baseado na palavra do Hugo que eles puderam obter a condenação”, comentou o advogado Lúcio Adolfo.

A chacina
Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho Nélson José da Silva, João Batista Soares Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Aílton Pereira de Oliveira foram assassinados em Unaí, na Região Noroeste de Minas Gerais. Eles investigavam denúncias de trabalho escravo em uma das fazendas de Norberto Mânica, irmão do então prefeito da cidade, Antério Mânica. O epsódio ficou conhecido como a chacina de Unaí.

O primeiro julgamento, ocorrido em 2013, durou quatro dias e terminou com a condenação de três réus. Rogério Alan Rocha Rios pegou 94 anos de prisão; Erinaldo de Vasconcelos Silva, 76 anos e 20 dias; e William Gomes de Miranda, 56 anos. Ao todo, as penas somam 226 anos.

O processo tinha nove réus, mas Francisco Elder Pinheiro, acusado de ter contratado os matadores, morreu há dois anos e Humberto Ribeiro dos Santos, segundo a defesa, teve a pena prescrita.
Segundo o MPF, a demora no julgamento do processo também acarretou a prescrição de outros dois crimes – o de resistência, que pesava sobre Norberto Mânica, e o de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, atribuído a Antério Mânica.

O julgamento de Norberto, Pimenta e Castro seria em 2013, mas foi adiado no dia anterior à realização por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello. A decisão se deveu ao pedido defesa do fazendeiro para transferir o processo para a Justiça Federal em Unaí. Em abril deste ano, o STF manteve o júri na capital mineira.

 

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