COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Projeto da UFOPA traz relatos de casos de assassinatos e chacinas nas jornadas de luta pela terra na região desde 1980. A publicação será lançada no dia 18 de julho, na cidade de Marabá (PA), quando a execução do advogado Gabriel Pimenta soma 40 anos de impunidade.

(Jornal Brasil de Fato RS)

Em meio ao momento delicado que nubla a vida da sociodiversidade amazônica, marcado pelo aceno que se ergue a partir do governo nacional em favor de toda ordem de violência, em alinhamento com os setores mais conservadores da nossa sociedade, um livro brota dos sertões da Amazônia. “Luta pela Terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!” tem como ponta de lança filhas, filhos, amigos e familiares de dirigentes sindicais, defensores dos direitos humanos e do meio ambiente que tombaram nas jornadas da luta pela terra no Pará. Além de familiares e amigos, educadores e pesquisadores, assinam relatos que contemplam casos de assassinatos e chacinas nos anos considerados os mais sangrentos, a década de 1980, mas, não se restringe à ela.

A violência nas paragens da região é uma constante. Uma questão estrutural, como atesta os recentes acontecimentos transcorridos no Amazonas, que redundou no assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. Categorias antes não alcançadas. As violências são digitais do processo da integração subordinada da Amazônia aos circuitos econômicos mundiais. Há sangue em todas as latitudes. Sangue de indígenas, quilombolas, camponeses e das pessoas a eles alinhados, como advogados e religiosos, entre outros sujeitos.

Projeto mobilizou mais de 50 pessoas

Com quase 800 páginas, ricas em iconografia (fotos, cartazes e recortes de jornal), o livro resulta de projeto de extensão da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, em diálogo de mais de dois anos com o MST do Pará, a Federação dos Trabalhadores dos  Rurais do Estado do Pará (Fetagri) sudeste, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o jornal Brasil de Fato do Rio Grande do Sul. Para a impressão da obra, o projeto conta com o apoio do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras). Os professores Rogerio Almeida (UFOPA) e Elias Sacramento (UFPA), campus de Cametá coordenam a iniciativa. Sacramento, doutor em História pela UFPA, teve o pai assassinado na década de 1980, o senhor Virgílio, na região de Moju, nas proximidades de Belém.

Seis seções dão corpo à obra: i) Camponeses, onde são realçados nove casos, entre eles, o de Raimundo Ferreira Lima (Gringo), João Canuto, Expedito Ribeiro, Virgílio Sacramento, José Dutra da Costa (Dezinho), Avelino Silva; ii) Massacres, que contempla os casos da Chacina Ubá, Chacina da fazenda Princesa e o Massacre de Eldorado; iii) Gabriel Pimenta, João Batista e Paulo Fonteles integram o bloco dedicado aos advogados que combateram o latifúndio, enquanto que no item iv) Irmã Adelaide, padre Josimo e a Romaria das Meninas compõem a seção dedicada aos religiosos; v) na parte dedicada à entrevistas dão corpo à seção os relatos do Padre Paulinho, ex-coordenador da CPT do Pará, e o recém falecido dirigente camponês do Maranhão, Manoel da Conceição; e por fim, vi) o anexo faz um resumo sobre casos de mortes e o andamento dos processos.   

São 20 trabalhos produzidos por quase 30 pessoas. Ao todo, o projeto mobilizou pouco de mais de 50 pessoas, entre autores, revisores, diagramadores, pessoas que fizeram cessão de fotos, gente que coletou documentos nos arquivos da CPT em Belém e Marabá, extensionistas, animadores de redes sociais e comunicadores.

Felício Pontes assina artigo sobre a missionária Dorothy Stang, ombreado pelo padre Amaro, agente da CPT em Anapu, sudoeste do estado, onde a missionária e igualmente agente da CPT foi assassinada em fevereiro de 2005. Por lá, no Lote 96, as tensões permanecem. Fazendeiros e pistoleiros diariamente ameaçam os moradores e lideranças. Permanências de uma democracia esgarçada, marcada pela concentração da terra e da renda, o Estado autoritário, as coerções públicas e privadas. Toda ordem de abuso contra os mais fragilizados. Assim como Dorothy, Amaro sofre todo tipo de pressão: ameaças, criminalização por conta da missão que desenvolve junto aos camponeses, e até preso foi.

Filhas, filhos, viúvas assinam artigos sobre a memória dos seus

José Dutra da Costa (Dezinho), dirigente sindical e quadro da Fetagri sudeste do Pará, foi executado em 2000 na porta de sua casa em Rondon do Pará, quando o natal se avizinhava. Grileiros de terra, fazendeiros e madeireiros estavam incomodados com a atuação do presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais (STTR) do município. 

O nome de Dezinho chegou a constar na lista de pessoas marcadas para morrer por conta do combate que realizada pela reforma agrária. As autoridades do Estado sabiam. Todos sabiam. Nada foi feito. A hoje advogada e filha do dirigente sindical, junto com a viúva assinam o relato, Joélima da Costa e Maria Joel, respectivamente.  Com o assassinato de Dezinho, dona Maria assumiu a direção do sindicato. Assim como o esposo, dona Joel viveu e ainda vive, inúmeras situações de ameaça.

A professora da rede pública e mestra em História pela UFPA, Luzia Canuto, narra a saga do pai, João Canuto. Como Dezinho, Canuto foi morto em dezembro. O crime ocorreu no dia 18. João foi morto  com 18 tiros desferidos à queima roupa. Anos depois três filhos de Canuto foram sequestrados. Somente um sobreviveu, Orlando. Entre os acusados das atrocidades na cidade de Rio Maria, sul paraense, constam fazendeiro Vantuir Gonçalves Cardoso e o político Adilson Laranjeira. Eram tempos da União Democrática Ruralista (UDR). Instituição animada pelo hoje novamente governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Execuções e chacinas notabilizaram o sul e sudeste do Pará como as regiões mais delicadas na luta pela terra do Brasil.  E permanecem como área de risco.  Como outros casos marcados pela impunidade, o recurso usado pelos defensores dos direitos humanos foi apelar para Organização dos Estados Americanos (OEA) como forma de responsabilizar o Estado Brasileiro. O caso mais recente que tramita na OEA é do advogado Gabriel Pimenta.

Em 2011 foram mortos na cidade de Nova Ipixuna, nas proximidades de Marabá, o casal de agroextrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Praia Alta Pinheira. O único nesta categoria nas regiões que aglutinam mais de 500 projetos de assentamento. Muitos batizados com os nomes dos dirigentes assassinados. A maioria dos projetos foi reconhecido após o Massacre de Eldorado, ocorrido em 1996.

A morosidade do Incra é colocada como um dos fatores que redundaram na tocaia que matou o casal, que também teve os nomes em listas de marcados para morrer. Os irmãos de José, Claudenir e a advogada recém formada, Claudelice Santos, assinam o artigo. Ela e família assumiram a bandeira ambientalista do casal. Claudelice fez parte de uma turma de Direito da Terra, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Uma universidade criada e direcionada para pessoas ligadas à defesa da reforma agrária, direitos humanos e o meio ambiente.

Oficialmente o estado do Pará declara que, no Massacre de Eldorado, ocorrido na Curva do S, na cidade de Eldorado do Carajás, em 1996, 19 trabalhadores rurais ligados ao MST foram mortos pelas tropas da PM. A ordem partiu do ex-governador já falecido, o médico Almir Gabriel (PSDB), que tinha como secretário Paulo Sette Câmara. As tropas foram comandadas pelos militares Major Oliveira e o coronel Pantoja. Os laudos comprovam que boa parte dos 19 sem terra foram executados à queima roupa. Da cúpula de mandantes, somente Oliveira encontra-se vivo. Assim como em outras casos, o manto da impunidade cobre o caso. Os advogados José Batista Afonso e Carlos Guedes assinam o artigo.

O sangue não conhece cercas na Amazônia

A História da “conquista” da fronteira é uma história de expropriação de suas populações e assassinatos. Situações amalgamadas por precárias investigações, processos morosos e inconclusos no Judiciário – quando os mesmos chegam a ser instaurados -, este célebre por sua parcialidade em situações de conflitos que envolvem grandes corporações, grileiros de terras e fazendeiros e a sociodiversidade local da região.

“Quem não vive na Amazônia não sabe como o perigo nasce e descamba com o sol e vem ainda com a noite, cotidianamente”, esclarece o belo texto de Júlia Iara, militante do MST/MA, quando da passagem de 21 anos do Massacre de Eldorado, em 2017.

 

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