COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em 2018, conforme o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “Conflitos no Campo Brasil”, 960.342 pessoas estiveram envolvidas em conflitos no campo no Brasil, um aumento de 35,6% em relação ao ano anterior. Este é o maior número de pessoas envolvidas em conflitos desde o ano de 2005.  A publicação foi entregue ao pontífice, nesta semana, por Dom José Ionilton, bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM) e vice-presidente da CPT, Maria Petronila, agenda da CPT em Rondônia, e pelo padre José Boing. Eles e ela participam do Sínodo para a Amazônia, realizado entre os dias 6 e 27 de outubro no Vaticano. 

Texto por Elvis Marques* | Imagens: Comunicação do Vaticano

O Papa Francisco, ao longo do Sínodo para a Amazônia, certamente já recebeu diversos e importantes relatórios e textos análiticos sobre a situação da Amazônia Latina e dos povos e comunidades que neste espaço territorial vivem e resistem há milhares de anos. Ao receber o relatório da Pastoral da Terra, o líder da Igreja Católica “agradeceu e nos deu força para continuarmos com esse importante trabalho na defesa da vida do povo”, relembra Petronila. O Sínodo, como bem definiu recente publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), é “uma janela ao mundo para as realidades dos povos e comunidades amazônicas”.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) está prestes a completar 45 anos. Nasceu na Amazônia, em um dos períodos mais sombrios da história brasileira, a ditadura militar. Todas e todos, nesta pastoral, não se cansam de repetir: “A CPT foi fundada como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam”.

Passaram-se várias décadas, e o olhar da Pastoral, assim como o de diversos atores que estão presentes na Assembleia Sinodal, continua atento a tudo o que acontece nessa gigante floresta, que, claro, já foi bem mais extensa. “A Amazônia sofre a maldição do capital e de seus comparsas nas diversas esferas do poder público. Tomado como mero espaço para produção de commodities agrícolas e minerárias, não se importam, eles, com quantas vidas eliminam, quantas árvores derrubam, quantas espécies da fauna e da flora exterminam”, escreveram, há poucos dias, no Jornal Pastoral da Terra, que também completa 45 anos em 2020, Ruben Siqueira e Paulo César Moreira, ambos membros da Coordenação Nacional da CPT.

Toda essa cobiça territorial pode ser traduzida (um pouco) em dados, compilados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT desde 1985, e publicados anualmente no relatório que Francisco recebeu recentemente, o Conflitos no Campo Brasil. Mas apesar dos números registrados por essa pastoral serem assustadores, Dom Tomás, um dos fundadores da entidade, sempre fazia questão de ressaltar que isso “é apenas uma amostra da realidade dos conflitos no campo no Brasil”. A violência e as violações que os povos da terra, das águas e das florestas estão expostos e vivenciam na pele são muito maiores.

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E ao longo dessas décadas de registros, análises e denúncias sobre os conflitos no campo, a CPT percebeu uma modalidade de conflito de extrema crueldade humana: os massacres. É um tipo de crime, no qual pessoas são mortas em massa, que sempre permeou a história do campo no Brasil. “Estes crimes são mais uma das estratégias do capital para expulsar os povos de suas terras e territórios”, afirma a entidade. De 1985 a 2019, a CPT já registrou 49 casos de massacres que vitimaram 230 pessoas em dez estados brasileiros. 

Esses dados mostram que o estado do Pará lidera o ranking de massacres no campo, com 28 casos, em que 131 pessoas foram mortas. O estado concentra mais da metade do total de massacres e cerca de 58% do total de vítimas. Rondônia vem em segundo lugar com 7 massacres e 34 vítimas, seguido por Mato Grosso, com 2 massacres e 13 vítimas, e Rio Grande do Sul, também com 2 massacres e 9 vítimas. 

Abaixo, confira alguns dados de 2018 contidos na publicação entregue ao pontífice:

Destaca-se, entre os dados registrados pela pastoral, o número de hectares em disputa no Brasil, que em 2018 subiu 6,5% em relação ao ano anterior, passando para 39 milhões e 425 mil hectares implicados em conflitos agrários. Deste total, 97,7% das áreas em conflitos estão nos estados da Amazônia Legal, ou seja, 38.523.167. Toda essa extensão territorial alvo de disputa indica a forte invasão que essa região vem sofrendo e que há uma questão (de reforma) agrária em aberto. Confira mais dados sobre a Amazônia Legal:

  • Dos 28 assassinatos que ocorreram no campo no Brasil em 2018, 24 estão na Amazônia Legal (16 no Pará, 6 em Rondônia, e 2 no Mato Grosso);

  • Das 28 tentativas de assassinatos que ocorrem no Brasil ano passado, 17 foram em estados da Amazônia Legal (10 no Pará, 3 em Rondônia, 1 no Maranhão, 1 no Mato Grosso, 1 no Tocantins e 1 no Amazonas);

  • Das 165 pessoas ameaçadas de morte, 121 estão na Amazônia Legal (57 no Maranhão, 49 no Pará, 6 em Rondônia, 4 no Mato Grosso, 2 no Amazonas, 1 no Acre, 1 em Roraima e 1 no Tocantins);

  • E das 197 prisões de trabalhadores e trabalhadoras, povos e comunidades tradicionais no Brasil, foram 158 nessa região amazônica;

  • E dos 27 casos de pessoas torturadas, 24 foram na Amazônia (20 no Pará, 2 em Rondônia e 2 no Maranhão);

Durante evento do Sínodo para a Amazônia, no Vaticano, o Papa Francisco recebeu a última edição da publicação Conflitos no Campo Brasil 2018. 

Crédito imagem: Comunicação/Vaticano

Em 2019, até o mês de outubro, os conflitos no campo no Brasil já resultaram em 16 pessoas assassinadas somente na Amazônia Legal, sendo dois casos de massacres no município de Baião, no Pará, com 6 mortes, e mais duas outras mortes no estado, uma no município de Rio Maria e outra em Conceição do Araguaia. Cinco outros assassinatos ocorreram no Amazonas; um no Amapá; dois no Mato Grosso. Esses dados parciais mostram, novamente, a Amazônia na dianteira dos conflitos agrários. Nos dados totais, no Brasil, a CPT já registrou, até o momento, 19 assassinatos em conflitos no campo.

Além disso, entre 1985 e 2018, segundo dados da CPT, 1940 pessoas foram mortas em situações de conflitos no campo no Brasil. Mas quando se olha para a Justiça, os números são bem reduzidos: apenas 117 casos foram julgados, sendo 34 mandantes condenados. Esses são números que atestam a impunidade no campo. Do total de 1940 pessoas assassinadas, 1308 mortes ocorreram nos nove estados da Amazônia Legal brasileira.

Em meio a tantas situações de violência, a Pastoral da Terra também registra e divulga as ações de resistência dos povos e comunidades do campo. Essas ações aparecem, por exemplo, em forma de manifestações, quando a luta é necessária e a rua, os prédios públicos, as rodovias são espaços a serem ocupados para que todos esses números (que têm rostos) sejam denunciados. Em 2018, a CPT registrou 538 ocorrências de manifestações no Brasil com cerca de 170 mil pessoas presentes. Destaca-se que esses números se referem a manifestações cuja as pautas são ligadas ao campo.

* Assessoria de Comunicação da CPT Nacional

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