COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

“A luta foi difícil, mas chegamos na nossa terra”, é o que mais se ouve quando visita-se o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Nova Conquista II, no município de Novo Mundo, norte do Mato Grosso.

Texto e imagens por Elizabete Flores*

As 96 famílias assentadas são oriundas do Acampamento União Recanto Cinco Estrelas - a maioria viveu por mais de 15 anos debaixo de barracos de lona. Para estas famílias, “terra é mais que terra”. Como dizia Dom Tómas Balduino, “é lugar de reprodução da vida. E de vida Digna”.

Foram muitas as lutas, ocupações, marchas, trancamentos de rodovias. As famílias sofreram todo o tipo de violência física e emocional com os despejos pela Polícia Militar (PM), que chegou a usar liminar falsa, e com os ataques de jagunços, ameaças de morte, perseguição, torturas, queima dos barracos, tiroteios, envenenamento das águas com agrotóxicos, além da violência cotidiana que é a vida embaixo da lona e às margens das estradas. Mas a vida venceu a morte!

O grupo reivindicava as terras da Fazenda Recanto, que fica dentro da Gleba Nhandú, que possui 211 mil hectares, área esta de propriedade da União, quase toda grilada por grandes fazendas. Essa fazenda é uma área emblemática, pois era grilada por um fazendeiro conhecido como ‘Chapéu Preto’, notório pela forma violenta de agir contra os trabalhadores e as trabalhadoras, seus opositores e também pela prática de trabalho escravo. Somente em uma das operações na área, em 2003, foram libertados 136 trabalhadores.

Em 2017 o sonho das famílias de chegada à Terra Prometida avança com a decisão da Justiça Federal de Sinop, que reconheceu a área como sendo da União e determinou a criação do assentamento, que somente se concretizou em março de 2018. A ‘luita’, como sempre diz Seu Teobaldo Francisco, principal liderança do grupo, hoje com 76 anos de idade, ainda continua e não tem prazo para terminar, pois o fazendeiro recorre da decisão e usa todo tipo de influência junto aos tribunais para tentar retirar as famílias da terra.

A celebração realizada pelas famílias quando chegaram à ‘Terra Prometida’ foi um momento forte, trouxe a Memória, a Rebeldia e a Esperança de todos os anos de luta. Refletiram sobre ‘O Faraó da atualidade – luta contra o Estado, Judiciário, agronegócio, que não querem dividir a terra’ (Êx. 3, 1-12) e sobre o ‘Deus que tira os poderosos da Terra para dar a seu Povo como prometeu’ (Josué 1, 10-11; 4, 1-3).

As famílias já estão consolidadas em suas terras, com o cotidiano de cuidar da terra e produzir seus alimentos, enfim, reproduzir a vida. Já conseguiram a portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e homologação das famílias, além do projeto para instalação da energia elétrica já aprovado, um processo que se deu de forma acelerada graças à organização dessas pessoas e o comprometimento de alguns agentes públicos da Advocacia-Geral da União (AGU) e INCRA.

O lugar sem vida, antes tomado pelo agronegócio e seus monocultivos de soja, milho e criação de gado, deu lugar à vida. A produção das famílias já é diversificada: feijão, milho, batata doce, abóbora, maxixe, quiabo, jiló, abobrinha, pimenta, melancia, abacaxi, maracujá, mamão, amendoim, mandioca, alface, rúcula, agrião, couve, cebolinha, salsa, além da criação de pequenos animais, vacas de leite, e etc. Tudo para o consumo próprio e comercialização na feira iniciada em Novo Mundo.

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A iniciativa da feira se deve ao protagonismo das mulheres e sua organização. São 21 feirantes, sendo a maioria mulheres, que, diante do anseio por uma vida melhor para a família, se organizaram e foram à luta. Hoje a feira já ocorre às quartas e domingos. Este espaço de venda do excedente da produção, segundo a feirante Regina Barros, não é somente um espaço de comercialização, mas “um lugar de distração, de conhecer pessoas, trocar experiências e receber o reconhecimento do povo da cidade. Antes éramos chamados de vagabundos, agora provamos para o povo da cidade que somos trabalhadores e que queremos a terra para trabalhar”, conta ela.

 "A celebração realizada pelas famílias quando chegaram à ‘Terra Prometida’ foi um momento forte,

trouxe a Memória, a Rebeldia e a Esperança de todos os anos de luta"

"As famílias estão recuperando áreas degradadas e as nascentes que foram destruídas (são mais de 15) pelo grileiro"

Além da produção de alimentos, onde a agroecologia é uma constante, com o cuidado com a terra, utilização de sementes crioulas e não uso de agrotóxicos, as famílias estão recuperando áreas degradadas e as nascentes que foram destruídas (são mais de 15) pelo grileiro e estão fazendo esse trabalho em mutirão. Aliás, mutirão foi e é uma das práticas que a comunidade tem adotado desde que entrou na terra, isso para as mais diversas atividades coletivas. Outra prática é a utilização de mão de obra dos próprios assentados e assentadas e também a troca de dias de trabalho. Criar o sentimento de pertença ao território é um dos desafios das famílias, pois, além de suas diferentes histórias de vida, as mesmas vêm de 18 diferentes estados do Brasil. É o Brasil dentro de um assentamento.

A retomada deste pedaço de chão, que sempre pertenceu ao povo brasileiro, mudou a vida de mais de 200 pessoas, entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Ao chegarem na terra, a vulnerabilidade social e econômica das famílias diminuiu, mesmo com todas as dificuldades ainda enfrentadas, pois encontraram liberdade, vida digna, e alimento na mesa.

O acompanhamento das famílias é feito pela CPT Regional Mato Grosso desde 2009, e foi fundamental para a presença junto a estas famílias o apoio do Comitê Multi-Institucional de Colíder (MT), que financiou por 3 anos projetos com recursos oriundos de Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) 23ª Região, que tramitaram na Vara do Trabalho de Colíder, o que garantiu formações com a comunidade, lideranças e mulheres, e a realização de oficinas agroecológicas, intercâmbios, e etc, processos que fortaleceram a organização e protagonismo da comunidade. Além disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) financiou, em 2018, um projeto de 3 meses para o acompanhamento das famílias na sua organização e produção agroecológica.

Neste processo de luta das famílias, enquanto CPT Mato Grosso, reafirmamos que “A CPT não é a caneca... nem a água: é só a sede, a vontade de beber. Mas a caneca de muitos usos e a fonte é o povo quem traz”. (Nancy Cardoso)

*Integrante da coordenação da CPT no Mato Grosso e da Campanha Nacional da CPT de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo.

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