COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Reunidos em Marabá, no Pará, durante a Conferência Internacional da Reforma Agrária, 170 militantes, camponeses e indígenas de 23 países, puderam debater na tarde do dia 15 de abril, última sexta feira, os dados dos conflitos no campo no Brasil em 2015. Na ocasião, a CPT lançou seu relatório anual com essas informações. 

Cristiane Passos*

Nancy Cardoso, pastora metodista e agente da CPT Mato Grosso, iniciou o lançamento do Conflitos no Campo Brasil 2015 com a seguinte pergunta “como um fogão vai parar no teto de uma casa?”, referindo-se a foto que estampa a capa da publicação, tirada no distrito de Bento Rodrigues, Minas Gerais, em novembro de 2015, após o rompimento da barragem de detritos da Samarco, a barragem do Fundão. Impactados pela imagem, os participantes da Conferência passaram, então, a entender a conjuntura dos conflitos no campo no país, e a ação da CPT em registrá-los. 

"Os números às vezes confundem a cabeça da gente, por isso a publicação é acompanhada de textos analíticos", afirma o advogado da CPT em Marabá, José Batista Afonso. Os conflitos, segundo ele, estão presentes em todo o País e decorrem de causas estruturais relacionadas à expansão do capital no campo e ao aumento da concentração da terra. "A aceleração do processo de concentração da terra significa mais gente com pouca ou sem terra e menos gente com muita, mas muita terra mesmo". 

"Não são apenas crimes só contra a pessoa, mas também praticados contra o meio ambiente onde a impunidade predomina, como exemplo o desastre de Mariana, ou o desmatamento na Amazônia. Mas contra a pessoa é mais grave ainda no Estado do Pará, onde o número de violências praticadas contra os camponeses é maior do que qualquer outro Estado da Federação. Desde que a CPT tem feito os registros, 1/3 ocorreu no Pará. A cada três assassinados, um foi aqui no Pará", analisou Batista. 

No levantamento de “Assassinatos e Julgamentos”, que a CPT faz paralelamente ao relatório, há 846 assassinatos desde 1985 até 2014, e em apenas 293 houve algum tipo de investigação: "em 65% das mortes no Pará, sequer houve investigação das responsabilidades, nem sequer um inquérito policial", explica Batista. Somados os 19 assassinatos no ano passado, nos últimos 30 anos, 861 camponeses e camponesas foram mortos e mortas no Pará. Essa impunidade é a prova, segundo o advogado, de que a atuação do Poder Judiciário tem sido insuficiente para combater o problema da impunidade. "O pistoleiro que pegou uma morte de encomenda e recebeu dinheiro para assassinar o camponês e não é punido, e ele vai estar no outro dia à procura de uma nova encomenda: é o assalariado da morte. Da mesma forma o mandante vai resolver o problema do conflito na base sempre da bala, porque tem a certeza de que a lei não o vai atingir.". 

O avanço violento do capital ocorre junto do que Paulo César dos Santos, da coordenação executiva nacional da CPT, chama de "violência institucional" e "violência legislativa": "há ao menos 26 projetos de lei ou emendas constitucionais que querem diminuir ou acabar com os direitos conquistados no campo". Como exemplo, ele citou o projeto que pretende alterar o conceito de "trabalho escravo" para inviabilizar a atuação dos grupos móveis. "Os projetos estão em voga no Congresso mais conservador da história". "O território amazônico, as comunidades tradicionais e os posseiros que migraram para cá estão sofrendo uma violência enorme", explica Santos. Como exemplo, a chacina em Conceição do Araguaia, em 17 de fevereiro do ano passado, que matou uma família inteira: Washington Miranda Muniz e sua esposa, Leidiane, assassinados junto de três filhos e um sobrinho. 

Por outro lado, os dados levantados pela CPT indicam que se intensificaram as manifestações da classe trabalhadora, com um aumento de 40% do número de participantes, "o que significa que mais e mais pessoas estão indo para as ruas", afirmou Santos. E, nesse sentido, aumentou a criminalização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, daqueles que vão continuar a lutar contra o sistema capitalista que está ai. Como exemplo, há duas semanas a prisão do cacique Tupinambá Babau, no sul da Bahia. 

Debate 

Os militantes presentes na Conferência reagiram à apresentação dos dados da CPT, a partir da realidade que vivenciam em seus países. Para representantes da África e da Venezuela, foi difícil compreender como um organismo ligado a Igreja Católica tem atuação incisiva na luta dos povos do campo, por tantos anos. Outros questionaram como é possível fazer um trabalho tão amplo em um país territorialmente tão grande e como são utilizados esses dados em benefício dos povos do campo e de suas lutas. 

Os representantes da CPT explicaram que os dados são coletados, primeiramente, pelos agentes de pastorais que estão espalhados em todos os estados. “Também temos a ajuda de entidades e movimentos sociais e, por último, fazemos muitas pesquisas em sites e diversos meios de comunicação”, destacou Paulo César. Quanto à relação com a Igreja, o coordenador da CPT explicou que “aqui no Brasil também não é simples e nem fácil, existe uma onda conservadora muito forte e muita gente do clero e bispos não apoiam esse nosso trabalho. Acreditamos que somos uma Pastoral de fronteira, ou seja, estamos em lugares limites, de conflitos e, também, estamos em lugares onde a própria igreja, às vezes, não quer estar”. 

Em relação à utilidade dos dados apresentados pela CPT, foi explicado que o objetivo desta publicação é que ela seja um instrumento de denúncia e que possa também ajudar nas lutas junto às comunidades afetadas pelos diversos conflitos no campo. Além disso, ela cumpre a função de dar visibilidade às diversas agressões ao povo do campo. Esses números, bem como a publicação em si, são repassados para todos os bispos do Brasil e em vários momentos são entregues, também, às autoridades federais, para que estejam cientes dos conflitos e violências causadas no campo pela inoperância de suas ações. 

Mulheres da Argentina e do Peru pediram mais informações sobre as mulheres nesses conflitos, afetadas, segundo elas, diretamente. Questionaram como registrar a violência contra as mulheres, para além das categorias já trabalhadas pela CPT, mas nas outras formas de violência sofridas, como as situações em que mulheres foram levadas para o âmbito das grandes obras e todo o esquema de exploração do trabalho doméstico e sexual. Além disso, denunciaram a utilização do agrotóxico como arma para expulsão de diversas comunidades, ao envenenarem a água e o solo, bem como os impactos sobre as comunidades da expansão da mineração em vários países da América Latina. Elementos que, segundo os representantes da CPT, vão fazer parte das discussões constantes que a Pastoral promove, para aprimorar e adequar a metodologia da coleta de dados dos conflitos no campo à realidade que vivenciamos. 

*Assessora de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – coletivo de comunicação da Conferência Internacional da Reforma Agrária, com informações de Felipe Milanez, para a Carta Capital.

*Foto Cristiane Passos

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