COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Vítima era filho de homem assassinado em massacre no mesmo município, em 1985; entidades divulgam nota pública que expõe sobre o crime e denuncia a escalada da violência no estado

Foto: arquivo pessoal
Assessoria de Comunicação da CPT Nacional

No último dia 14 de maio, o trabalhador Reginaldo Pereira de Oliveira, de 46 anos, foi assassinado por segurança de empresa SegurPro, que presta serviço para a mineradora Vale S.A, às margens da Ferrovia Carajás, em Marabá (PA). De acordo com a CPT Marabá, Reginaldo foi atingido por um tiro no joelho, possivelmente de escopeta, e não foi socorrido, o que ocasionou a sua morte. 

O pai de Reginaldo, José Barbosa da Costa, também foi assassinado quando a vítima tinha oito anos de idade, no massacre na fazenda Princesa, ocorrido em 1985 e registrado pela CPT. O caso não é isolado, a família é mais uma entre as tantas outras que sofrem a violência que se instaura e cresce no estado do Pará. De acordo com os dados do Centro de Documentação da CPT - Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT), o estado do Pará lidera o ranking nacional de conflitos por terra em 2021, são 156 casos registrados.

SAIBA MAIS: Massacre na fazenda Princesa - Marabá 1985

Segunda à Polícia Civil, em informações cedidas à Repórter Brasil, o segurança da Vale foi detido por suspeita de crime de lesão corporal seguida de morte mas, no dia 15, o Tribunal de Justiça do Pará concedeu liberdade provisória ao segurança, que aguardará o julgamento em liberdade. O caso ainda está sendo investigado. A CPT Marabá divulgou nota pública, também assinada por outras entidades e movimentos sociais, em que denuncia omissão de socorro à vítima e a prática recorrente de uso da violência, por parte da VALE, através das empresas de segurança que lhe presta serviço.

Leia na íntegra:

NOTA PÚBLICA: A HISTÓRIA DE REGINALDO, O TRABALHADOR ASSASSINADO POR SEGURANÇAS DA VALE EM MARABÁ

Reginaldo Pereira de Oliveira, 46 anos, 08 filhos, morador do bairro São Félix, foi assassinado com um tiro, na tarde do último dia 14, por seguranças da empresa SEGURPO que presta serviço para a mineradora VALE. O crime ocorreu às margens da ferrovia de Carajás nas proximidades do bairro São Félix, em Marabá. Reginaldo foi atingido por um tiro, certamente de escopeta, na altura do joelho que lhe estraçalhou a perna. A alegação dos seguranças é que ele e outro amigo estavam furtando restos de ferragens, acusação rechaçada pelos familiares pois esclareceram que a vítima era deficiente de uma perna e braço, razão pela qual era pensionista do INSS e não tinha forças para carregar pesadas ferragens. 

Pelas características do crime, Reginaldo pode também ter sido vítima de omissão de socorro. O tiro que atingiu seu joelho não causou sua morte instantânea. A adoção de práticas de primeiros socorros e o deslocamento imediato para um hospital poderia ter salvado sua vida. Nada disso foi feito pelos seguranças da VALE. Os policiais militares que estiveram no local, constataram que não havia marcar de sangue indicando que ele teria corrido. Certamente morreu no mesmo local que levou o tiro ou foi levado para outro local, pois com o tirou que levou não tinha condições de se locomover.  

Reginaldo era filho de José Barbosa da Costa, assassinado na chacina da fazenda Princesa, crime ocorrido no dia 27 de setembro de 1985. Junto com José, foi assassinado seu irmão gêmeo Manoel Barbosa da Costa e mais três trabalhadores. José Barbosa e Manoel tinham apenas 38 anos. A chacina ficou muito conhecida pelo grau de crueldade usado pelos pistoleiros contra os trabalhadores. Chefiados pelo fazendeiro Marlon Lopes Pidde, as vítimas foram amarradas na sede da fazenda, espancadas durante quase dois dias, queimadas e em seguida assassinadas. Depois de mortos tiveram as barrigas cortadas, amarrados uns aos outros e presos em grandes pedras no fundo do rio Itacaiunas. Os corpos só foram localizados uma semana depois, quando se desprenderam das pedras já em adiantado estado de decomposição. Quando seu pai foi violentamente assassinado, Reginaldo tinha apenas 08 anos de idade.  

Marlon Pidde era dono de garimpo e fazendeiro. Era muito rico e influente em Marabá. Com o dinheiro que ganhou no garimpo comprou 4 fazendas só na região de Marabá. A CPT e a SDDH travaram uma verdadeira guerra para conseguir que Marlon e seu grupo criminoso fosse punido pelos crimes. Marlon foi levado a julgamento em dia 08 de maio de 2014, ou seja, 29 anos após o crime. O fazendeiro foi condenado a 130 anos de prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. A polícia do Pará nunca fez qualquer esforço para prendê-lo. Nenhum pistoleiro chegou a ser identificado e preso.

Beneficiado pela impunidade da justiça brasileira, a SDDH, o CEJIL e a CPT, ingressaram com um processo contra o Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. No dia 04 de maio de 2019, a CIDH/OEA publicou uma decisão de mérito no processo, determinando que o Estado Brasileiro “repare integralmente as violações de direitos humanos declaradas (…), tanto no aspecto material quanto imaterial. Esta reparação deve incluir uma indenização, bem como medidas de satisfação e reabilitação a favor dos familiares das vítimas e em acordo com eles”. Infelizmente, a decisão saiu no Governo Bolsonaro, que se nega a cumprir a determinação da CIDH/OEA. Na última manifestação, foi dado um prazo de 90 dias para que o Estado cumpra com o que foi determinado. Mas, os familiares temem que Bolsonaro não cumpra novamente o prazo. Afinal, violar direitos humanos é uma prática sistemática de seu governo. 

O assassinato de Reginaldo não é um caso isolado, mas uma prática recorrente de uso da violência, por parte da VALE, através das empresas de segurança que lhe presta serviço. Nos municípios de Marabá, Curionópolis, Parauapebas e Canaã, há registros de inúmeros casos de violência praticada contra pessoas e grupos, que por alguma razão, se aproxima da ferrovia ou de outras dependência da Empresa. A violência não é apenas física, mas também na forma de criminalização. De acordo com dados da CPT, nos últimos anos, a empresa conseguiu processar mais de 20 lideranças de movimentos sociais nesses municípios. O uso da violência é uma forma de proteger o transporte de milhões de toneladas de ferro que circula todos os dias pela ferrovia. Para proteger esses interesses, a vida das pessoas e os problemas sociais causados pela exploração mineral pouco importa.   

Reginaldo foi assassinado sem ver o mandante da morte de seu pai preso e sem ver o Estado brasileiro cumprir com uma decisão da mais alta corte de direitos humanos das Américas. Infelizmente, seus 08 filhos, certamente, não verão a justiça ser feita em relação à morte de seu pai, pois, nesse tipo de caso, a impunidade sempre prevalece.

Marabá, 20 de maio de 2022. 

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

Instituto Zé Claudio e Maria

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

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