COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Em Carta, os indígenas denunciam as prisões arbitrárias de 16 indígenas e defendem o direito constitucional de defesa ao seu Território Ancestral. 

Na manhã da última quinta-feira (18/11), dezesseis indígenas do Povo Akroá-Gamella foram presos arbitrariamente pela Polícia Militar do Maranhão, após impedir o seguimento de obra irregular dentro da TI Taquaritiua, em Viana-MA. A obra realizada pela companhia energética Equatorial Energia, pretendia instalar linhas de transmissão dentro do território indígena, na área da aldeia Cajueiro. A liberação da obra foi concedida de maneira irregular pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente - SEMA.

Na ocasião das prisões, o grupo de 13 homens e 3 mulheres permaneceram detidos nas delegacias de Viana e Vitória do Mearim durante toda a quinta-feira. Oito deles foram liberados na madrugada do dia seguinte, os demais passaram por audiência de custódia na sexta-feira, conseguiram liberação da juíza responsável, mas receberam os Alvarás de Soltura somente no dia seguinte, sábado (20/11) às 15 horas. 

Os indígenas Akroá-Gamella reforçam na Carta o direito à defesa de seu território ancestral "Seguiremos lutando para que o Estado Brasileiro cumpra o dever constitucional de demarcar e proteger as Terras Indígenas, bem como garanta a realização de Consulta Livre, Prévia e Informada. Até lá seguiremos semeando ternura onde botas e armas tentam implantar dor e luto e assim o fizemos: depois do abraço aos indígenas que retornaram, vários de nós, solidariamente, decidiram também raspar as cabeças para denunciar a infâmia racista que pretendeu nos estigmatizar."

Confira o documento completo: 

CARTA DO POVO AKROÁ GAMELLA

Inicialmente agradecemos a todas as manifestações de solidariedade expressadas ao nosso Povo nesses dias de gravíssimas violações ao nosso Direito de Existir em nosso território.

No dia 18 de novembro, como em outras ocasiões, exercemos o direito constitucional de defender o nosso Território Ancestral das ameaças e ataques de invasores, pois sem Território protegido não é possível efetivação do Direito Sagrado à Existência. Apesar de a Justiça Federal ter suspendido as obras de construção da linha de transmissão de energia justamente para que houvesse o cumprimento das formalidades devidas para empreendimento em terra indígena - como o licenciamento por órgão competente devidamente precedido de consulta ao nosso povo, o que até o momento não foi cumprido - a empresa Equatorial continua invadindo nosso Território.

Naquele dia 18, no final da manhã, dois homens armados de pistolas que não se identificaram entraram no território para nos intimidar e assegurar o desmatamento de nossos espaços sagrados para a implantação de torres da empresa de energia. Diante dessa gravíssima ameaça e para proteger a integridade física do nosso povo, os indígenas que ali se encontraram exigiram que as armas e munições fossem colocadas no chão.

Retiramos as armas do local para evitar atos de violência por parte dos que invadiram nosso território. Em nenhum momento, fizemos uso daquelas armas contra os que queriam nos ameaçar. Em nenhum momento quisemos ficar com aqueles instrumentos de morte, queríamos entregar as armas de fogo para a Polícia Federal, autoridade policial competente para tanto. Porém, dadas as tensões e novas violações que sofremos e seguiram durante a tarde da quinta-feira, fizemos chegar as armas de fogo em segurança às mãos do Delegado de Polícia Civil de Viana.

Após a retirada das armas de fogo do local, o funcionário da Equatorial Energia que chegou ao local em que fomos ameaçados informou aos indígenas que os homens armados seriam prestadores de serviço na área de segurança à empresa. Contudo, nenhum deles estava devidamente uniformizado e identificado, conforme determinam as exigências legais para seguranças privados armados, demonstrando que sua presença ali foi, a todo tempo, ilícita. Com o encerramento da conversa com o funcionário, os indígenas lá presentes retornaram às suas aldeias.

No início da tarde do dia 18/11, um grande contingente da Polícia Militar invadiu a aldeia Cajueiro e passou a efetuar prisões de indígenas em suas casas e na estrada. Além disso, nossas casas foram invadidas e bens apreendidos arbitrariamente.

Apesar de termos sido vítimas de uma violência sucessiva, foram detidos e colocados em camburões 16 indígenas, sendo 13 homens - um deles menor de idade - e 3 mulheres Akroá-Gamella. Em nenhum momento houve resistência às prisões, tornando

injustificável o uso da força, a presença de armas letais, as ameaças que sofremos, o uso de bombas de gás, spray de pimenta, que atingiram crianças, mulheres e idosos.

Os indígenas do nosso povo que foram detidos ainda tiveram que suportar a humilhação e o constrangimento de serem expostos em posto de combustível à margem da rodovia MA 014, numa estranha parada de mais de uma hora das viaturas da PM no trajeto entre a aldeia e a Delegacia de Polícia Civil de Viana.

Posteriormente, nossas parentas e nossos parentes foram conduzidos da Delegacia de Polícia da cidade de Viana até a de Vitória do Mearim algemados em camburões superlotados, tiveram suas cabeças raspadas e suportaram todo tipo de racismo pela PM, nas delegacias e na unidade prisional. Essas ações somadas às palavras deixam feridas nos nossos corpos e alma e marcarão para sempre nossa trajetória de vida.

Durante a madrugada do dia 19/11, foram libertados oito indígenas, permanecendo os demais detidos. Na noite seguinte, ao final da audiência de custódia, nossos oitos irmãos ainda custodiados foram libertados pela Justiça. Porém, os alvarás de solturas expedido às 21h do dia 19.11, somente foram cumpridos às 15h30 do dia seguinte, depois de uma demora sofrida.

Seguiremos lutando para que o Estado Brasileiro cumpra o dever constitucional de demarcar e proteger as Terras Indígenas, bem como garanta a realização de Consulta Livre, Prévia e Informada. Até lá seguiremos semeando ternura onde botas e armas tentam implantar dor e luto e assim o fizemos: depois do abraço aos indígenas que retornaram, vários de nós, solidariamente, decidiram também raspar as cabeças para denunciar a infâmia racista que pretendeu nos estigmatizar. Outros irão além do corte, doarão o cabelo ao Hospital Aldenora Belo num gesto de solidariedade aos que também lutam pela vida.

Povo Akroá Gamella – Território Taquaritiua Às margens do Rio Grande – Morada de Encantados Novembro de 2021

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