COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Organizações e Movimentos sociais do Pará, entre elas a CPT, denunciam sucessivas ações do delegado que assumiu a Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá (PA), em benefício de fazendeiros da região. Despejos e prisões de trabalhadores rurais, sem ordem judicial e sem que o fato ocorrido configure situação de flagrante por prática de crime, tem sido constantes mesmo nesse cenário de pandemia da Covid-19. 


De acordo com a Nota Pública, divulgada hoje (12) pelas entidades, "agindo dessa forma, o Delegado desrespeita a Lei nº 9.212/2021 sancionada no dia 14/01/2021 pelo governador do Estado do Pará, Hélder Barbalho, que determinou a suspensão de despejos e desocupações forçadas no Pará durante a pandemia do COVID-19. Viola artigos da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019) e outros crimes previstos no Código Penal. Desrespeita ainda Recomendação publicada pelo Ministério Público em 30/09/2014, para que a polícia 'se abstenha de efetivar reintegração de posse, sem a existência de ordem judicial, ainda que nas hipóteses previstas no art 1.210, § primeiro do Código Civil, por falta de amparo legal para tal situação. O MP adverte que: ‘o não cumprimento da recomendação, resultará em responsabilização judicial’'. Esse tipo de ação, também está em desacordo com o Regimento Interno da Polícia Civil do Estado do Pará que estabelece como seus princípios fundamentais a proteção à Dignidade Humana". Confira o documento na íntegra:

 

Delegado da Deca de Marabá (PA) se alia a fazendeiros e realiza inúmeros despejos ilegais

na região em plena pandemia

Desde que assumiu a Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá, o delegado IVAN PINTO DA SILVA vem adotando uma prática de realizar despejos e prisões de trabalhadores rurais, sem ordem judicial e sem que o fato ocorrido configure situação de flagrante por prática de crime. Frente a uma situação de ocupação, recente ou não, os fazendeiros têm procurado o delegado e, em conjunto, planejam as operações.

Conforme inúmeras denúncias recebidas nos escritórios da CPT na região, o delegado se desloca para o local com sua equipe, acompanhado de Vans, micro-ônibus, caminhonetes, tratores e, no local, ameaça as famílias, prende alguns e transporta grande número de homens, mulheres e crianças até uma delegacia. Logo que são retirados do local, os fazendeiros ordenam a queimas dos barracos e colocam pistoleiros armados para impedir o retorno das famílias. Em muitas dessas áreas há ações de reintegração de posse tramitando nas Vara Agrária de Marabá, cujas ordens de despejos estão suspensas. Isso é ignorado pelo delegado e os despejos ilegais são cumpridos em plena pandemia e as famílias são abandonadas à própria sorte.

O caso mais recente, ocorreu na segunda-feira, dia 05/04/2021, na fazenda Triângulo, no município de Goianésia (PA). Durante a ação, o Delegado Ivan prendeu e levou para a delegacia de Jacundá, município distante (80 km), durante a noite, 04 homens, 03 mulheres, 04 crianças e 03 adolescentes. Em pleno pico da pandemia, o grupo ficou jogado na delegacia até mais de meia-noite. O delegado manteve presos os quatro homens e duas mulheres. No dia seguinte, o juiz da comarca local relaxou os flagrantes e mandou soltar todos os seis presos.

No feriado de quinta-feira santa, dia 01/04/2021, a ação foi na fazenda Iguaíba, também no município de Goianésia. Um grupo de famílias se encontrava em um acampamento no interior da fazenda. Por volta do meio-dia, o delegado e sua equipe chegaram ao local e, alegando que os trabalhadores estavam praticando crimes, obrigou todos a saírem e levou detidos 10 trabalhadores. Na comitiva do delegado tinha um micro-ônibus e um trator da fazenda. O grupo ficou até as 22h00 prestando depoimentos e depois foram liberados devido o delegado não ter conseguido os elementos que configurassem um flagrante.

As fazendas Triângulo e Iguaíba, são constituídas de terras públicas federais. No caso da fazenda Triângulo, o INCRA moveu uma ação de arrecadação do imóvel perante a Justiça Federal de Tucuruí (PA). Em março de 2019, o juiz sentenciou o processo em favor do INCRA e deu 30 dias de prazo para que o fazendeiro desocupasse totalmente a área. As famílias permaneceram acampadas na margem da PA 150 por 12 anos, aguardando por essa decisão. Ocorre que, pela primeira vez, desde que a Superintendência foi criada há 25 anos, o INCRA se negou a tomar posse da área e pediu ao juiz que suspendesse a decisão por mais seis meses. Na verdade, esse tempo foi solicitado para que um acordo seja feito com o fazendeiro invasor para que ele permaneça com maior parte de imóvel. Ao tomarem conhecimento dessa decisão, as famílias decidiram transferir o acampamento para dentro do imóvel.

No caso da fazenda Iguaíba, após o Superintendente garantir às famílias acampadas que toda a área iria ser destinada para o assentamento, o INCRA voltou atrás e está negociando um acordo com o fazendeiro invasor. Isso fez com que as famílias também decidissem ingressar no imóvel.

Outra situação de despejo ilegal comandado pelo delegado Ivan, ocorreu na fazenda Araçagi (acampamento Pau Preto), no município de Tucuruí (PA). Também é uma área pública federal, ocupada ilegalmente por um fazendeiro. Desde 2018 um grupo de 32 famílias se encontravam acampadas em uma parte do imóvel, com pedido no INCRA para serem regularizadas ali.

No dia 11 de fevereiro de 2021, por volta das 16h00, o delegado, acompanhado de oito policiais, chegou ao acampamento com dois micro-ônibus fretados para levar todo o grupo. Frente a resistência das famílias, o delegado garantiu que após os depoimentos os micro-ônibus os deixariam de volta no acampamento. Todos foram obrigados a entrar nos veículos: homens, mulheres e crianças. Alguns trabalhadores chegaram a ser algemados. Na delegacia de Tucuruí, ao encerrarem os depoimentos no meio da noite, o delegado não autorizou mais os micro-ônibus a levarem as famílias de volta. As famílias decidiram então arrumar outro transporte para a volta, mas, ao chegarem no acampamento foram recebidos a tiros por um grupo de pistoleiros fortemente armado. Homens, mulheres e crianças tiveram que dormir no mato e só conseguiram sair do local no dia seguinte. As famílias voltaram à delegacia e registraram B.O. contra a ação dos pistoleiros e do delegado. Todos ficaram apenas com a roupa do corpo, pois tudo que tinha no acampamento foi destruído pelos pistoleiros, inclusive as plantações.

No dia 13/01/2021, o delegado efetuou uma desocupação ilegal na fazenda Muriaé, no município de Nova Ipixuna (PA). Um grupo de 50 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, foram detidos e levados para a delegacia em Marabá. Um ônibus (certamente fretado pelo dono da fazenda) foi usado para transportar o grupo de trabalhadores. Na delegacia, todos ficaram amontoados, sem máscaras e sem qualquer proteção, em pleno período crítico da pandemia.

Outro grupo vítima dos abusos do delegado, foi o acampamento irmã Dorothy, localizado no interior da fazenda Chama, no município de Breu Branco (PA). No dia 23/12/2020, por volta das 16 horas, numa ação conjunta entre policiais da Deca e pistoleiros da fazenda, armados com espingardas calibre 12 e pistolas, o acampamento foi invadido, as famílias ameaçadas e todas as casas reviradas em busca de supostas armas, sem mandado de busca e apreensão. Um casal foi levado preso para Marabá, por terem encontrado uma espingarda em sua casa. Dias depois foram soltos por decisão do Judiciário de Marabá.

Também no dia 31/07/2020, o delegado Ivan esteve no acampamento São Vinícius localizado na fazenda Tinelli, município de Nova Ipixuna. Estava acompanhado de outros policiais, do filho do fazendeiro e funcionários da fazenda. O delegado indagou às famílias porquê estavam no acampamento e os aconselhou a retirarem-se do local. Ao afirmarem que estavam ali pleiteando o assentamento em área pública da União, o delegado insistiu, alegando que o proprietário possuia documento de propriedade. As famílias denunciaram que após essa abordagem, vários barracos localizados nas roças das famílias foram queimados.

No dia 07/01/2021, na fazenda Surubim, município de Eldorado dos Carajás (PA), a atuação do delegado não foi diferente. Mesmo diante dos crimes cometidos por seguranças armados contra as famílias - dentre elas manter os trabalhadores/as rurais, adultos, idosos e crianças em situação de cárcere e sem acesso a alimentos, água e energia elétrica - o “chefe” da Deca de Marabá em diligência feita na área, atendeu tão somente às denúncias realizadas pelo gerente da fazenda com o qual demonstrou ter bastante proximidade, ignorando o pleito apresentado pelo grupo acampado e advogados da CPT e SDDH, que acompanhavam a operação. Lançou novamente mão à sua estratégia: acusados de esbulho possessório e dano à propriedade, todos os ocupantes capazes foram intimados para depor na Deca. Obviamente o objetivo era esvaziar o acampamento e permitir que os jagunços destruíssem os poucos pertences das famílias.

Outra ação ilegal do delegado Ivan, tem sido a de pressionar os trabalhadores a dizerem que ingressaram nas áreas orientados pelos advogados da CPT. Essa atitude irresponsável e leviana coloca em risco a atuação dos advogados e advogadas da entidade. Se ele faz essas insinuações frente às famílias, não somos capazes de imaginar o que possa comentar com os fazendeiros, pistoleiros e demais policiais.

Esse tipo de ilegalidades comandadas pelo delegado Ivan, não foram praticadas por nenhum dos outros delegados que já passaram pela Deca de Marabá e contraria frontalmente os objetivos pelos quais foram criadas as Decas, entre eles: o de não permitir que a delegacia seja usada para defender interesses dos fazendeiros e diminuir as ações violentas da polícia contra trabalhadores rurais que lutam pelo justo direito à terra.

Agindo dessa forma, o Delegado desrespeita a Lei nº 9.212/2021 sancionada no dia 14/01/2021 pelo governador do Estado do Pará, Hélder Barbalho, que determinou a suspensão de despejos e desocupações forçadas no Pará durante a pandemia do COVID-19. Viola artigos da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019) e outros crimes previstos no Código Penal. Desrespeita ainda Recomendação publicada pelo Ministério Público em 30/09/2014, para que a polícia “se abstenha de efetivar reintegração de posse, sem a existência de ordem judicial, ainda que nas hipóteses previstas no art 1.210, § primeiro do Código Civil, por falta de amparo legal para tal situação. O MP adverte que: ‘o não cumprimento da recomendação, resultará em responsabilização judicial’”.

Esse tipo de ação, também está em desacordo com o Regimento Interno da Polícia Civil do Estado do Pará que estabelece como seus princípios fundamentais a proteção à Dignidade Humana. Exemplos como esses maculam a imagem da instituição e do próprio Estado Democrático de Direito pelo qual lutamos.

Nesse sentido, as entidades representativas dos trabalhadores de assessoria jurídica e defesa dos Direitos Humanos protocolarão um dossiê contendo, detalhadamente, cada uma dessas denúncias junto ao Ministério Público de Marabá, Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará e ao Governador do Estado, exigindo apuração e adoção de providências URGENTES, com relação aos fatos aqui narrados.

Marabá/Belém (PA), 12 de abril de 2021

 

Comissão Pastoral da Terra – CPT Pará

Sociedade Paraense de Direitos Humanos – SDDH

Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares - RENAP, Articulação Pará

Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

Movimento Sem Terra - MST

Instituto Zé Claudio e Maria

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI

Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Nova Ipixuna

Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Goianésia

Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Estado do Pará - FETRAF

Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais na Agricultura Familiar de Goianésia

 

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