COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Organizações sociais, entre elas a CPT, assinam Nota Pública, em que explicam porquê decidiram não participar do segundo julgamento de Delsão, acusado de ser o mandante do assassinato do sindicalista Dezinho, em 2000, marcado para o próximo dia 31 do mês corrente, em Belém. O documento destaca que "entendem as entidades e os trabalhadores que não existirão condições mínimas para que seja feita JUSTIÇA durante o julgamento". Confira:

           Está marcado para o próximo dia 31 do mês corrente, o segundo julgamento do fazendeiro José Décio Barroso Nunes, o Delsão, acusado de ser o mandante do assassinato do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, crime ocorrido em Rondon do Pará (PA) no dia 21 de novembro de 2000. O julgamento ocorrerá em Belém, devido o processo ter sido desaforado para a comarca da capital. Delsão foi condenado em julgamento ocorrido em Belém em 30 de abril de 2014 a uma pena de 12 anos de prisão, no entanto, atendendo a recurso da defesa de Delsão, o TJPA anulou o julgamento.

            Ao longo desses 18 anos, os familiares do sindicalista, com apoio da FETAGRI e de entidades de defesa dos direitos humanos (CPT, SDDH, Terra de Direitos e Justiça Global), concentraram todos os esforços para que todos os acusados pelo assassinato do sindicalista fossem identificados e punidos, mas, forças contrárias que atuam dentro do governo do Estado, do Ministério Público e do Poder Judiciário tem impedido que isso aconteça. 

            A tramitação do processo sempre foi marcada por situações nebulosas e mal explicadas que favoreceram o poderoso madeireiro e fazendeiro Delsão. Quando foi preso em 30 de novembro de 2000, Delsão passou apenas 14 dias na prisão, pois foi beneficiado por uma liminar do então desembargador Otávio Maciel, numa situação inusitada. Quando os advogados de Delsão ingressaram com o pedido, o HC foi distribuído para a desembargadora Yvone Santiago. Sabendo da firmeza da desembargadora, estranhamente, os advogados desistiram daquele HC e protocolaram um segundo HC que desta vez foi distribuído para o então desembargador Otávio Maciel.  O desembargador, contrariando a sistemática do Tribunal, deferiu de imediato o pedido de liminar, sem solicitar informações da juíza de Rondon, que tinha decretado a prisão preventiva do fazendeiro. Graças a esse artifício, Delsão foi colocado em liberdade apenas 14 dias após ter sido preso.

            Na conclusão da instrução do processo, a então promotora Lucinere Helena, que respondia temporariamente pelo MP em Rondon requereu a impronúncia de Delsão. O então juiz da Comarca, Haroldo da Fonseca, impronunciou o poderoso fazendeiro. Inconformada, a assistência de acusação ingressou com recurso e o Tribunal de Justiça do Pará cassou a decisão do juiz e determinou que o fazendeiro fosse julgado pelo tribunal do júri.

Com o desaforamento do processo da comarca de Rondon para a comarca de Belém, foi então marcado o julgamento para o dia 29 de abril de 2014.  Mais uma vez fomos surpreendidos pela decisão dos promotores que atuam no tribunal do Júri da capital de se negarem a fazer a acusação do fazendeiro no julgamento. Após as sucessivas e injustificáveis recusas, o promotor que concordou em assumir o processo era da área cível e a definição só ocorreu 15 dias antes do julgamento, na véspera de um feriadão. Um processo complexo, com quase quatro mil páginas.

             Ainda assim a acusação teve êxito, e os  jurados, por 4 votos a 3, decidiram pela condenação do fazendeiro. Na leitura da sentença, o juiz, mais uma vez, surpreendeu e indignou a todos os presentes: a condenação foi por homicídio duplamente qualificado, o qual a pena mínima é de 12 anos e máxima de 30 anos. Inexplicavelmente, o juiz definiu a pena em 12 anos e ignorou as qualificadoras. O pistoleiro Welington, autor do crime teve sua pena fixada pelo mesmo juiz em 29 anos de prisão. Ao final do julgamento, o juiz ainda afrontou, em tom de ameaça, o advogado assistente de acusação Fernando Prioste.

            O pistoleiro Welington, condenado a 29 anos de prisão, meses após a condenação foi autorizado a passar um feriado de final de ano em casa e nunca mais retornou para cumprir a pena. Os intermediários do crime Igoismar Mariano e Rogério Dias tiveram suas prisões decretadas, mas nunca houve interesse da polícia em prendê-los. Dois outros acusados de terem participação no crime (intermediário e mandante) foram julgados, mas foram absolvidos.

            Durante as investigações da morte de Dezinho, foram abertos outros 04 inquéritos para apurar a participação de Delsão no assassinato de 05 trabalhadores de suas serrarias. Nenhum desses inquéritos foi concluído. A testemunha de acusação, Magno Fernandes, que ajudou a dominar o pistoleiro no dia do crime, foi assassinado no dia 10/09/2002 e ninguém foi punido pelo crime. Em 07/02/2004, foi assassinado Ribamar Francisco dos Santos, então presidente do STR de Rondon e ninguém sequer foi identificado como autor ou mandante do crime.

            Delsão é um fazendeiro poderoso e violento, possui cerca de 130 mil hectares de terra em Rondon, quase totalidade em terra pública federal e estadual. Até hoje nunca foi incomodado pelo INCRA, ITERPA ou Terra Legal sobre essas propriedades. Responde a mais de 30 embargos do IBAMA por crimes ambientais praticados em suas fazendas. Responde a mais de 500 processos na Justiça do Trabalho por desrespeito aos direitos trabalhistas dos funcionários de suas serrarias e fazendas. Responde ainda a mais de uma dezena de execuções fiscais já na Justiça Federal de Marabá. Talvez por isso, a Justiça do Pará tenha sido tão omissa em sua punição como mandante da morte do sindicalista Dezinho.

Mesmo diante das provas, desse quadro de impunidade, da condenação de Delsão pelo Júri de Belém, uma das turmas de desembargadores do TJE Pará anulou a sentença condenatória, e determinou que houvesse outro julgamento. Esta decisão, diante de tudo o que contém o processo, é uma decisão absurda e altamente questionável, tanto que vamos contestar a postura do TJE-PA nas instâncias internacionais como OEA e ONU. 

            Frente a esse quadro, os trabalhadores rurais de Rondon representados pela FETAGRI, os familiares de Dezinho e as entidades de Direitos Humanos que acompanham o caso, decidiram não participar do segundo julgamento de Delsão, marcado para o próximo dia 31 do mês corrente, em Belém. Entendem as entidades e os trabalhadores que não existirão condições mínimas para que seja feita JUSTIÇA durante o julgamento. 

Belém/Rondon do Pará, 29 de outubro de 2018.

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - FETAGRI

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará

Comissão Pastoral da Terra - CPT

Sociedade Paraense de Direitos Humanos - SDDH

Justiça Global

Terra de Direitos

 

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