COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Breve balanço dos conflitos agrários do Maranhão no primeiro bimestre de 2013. Confira artigo de Diogo cabral, advogado da CPT no Maranhão, sobre a violência contra os quilombolas. 

 

 

Diogo Cabral[1]

A negação do direito de comer, de trabalhar e de morar sob um teto são consequências imediatas de centenas de conflitos pela terra e território que transformam o Maranhão numa terra árida de justiça e equidade.

Numa breve análise dos conflitos fundiários ocorridos nesses primeiros dois meses de 2013, podemos observar que populações tradicionais, acampados e assentados maranhenses têm forte limitação na produção de alimentos, visto que, em muitos casos, são impedidos de adentrar nas áreas de plantio, em razão da presença de homens armados (jagunços ou milícias), da destruição das roças por invasão de animais ( bovinos e caprinos), seja pela proibição expressa pelo Poder Judiciário, em ordenar o despejo das famílias de suas áreas de produção ou por manter latifundiários intocáveis em áreas de conflito.

Na comunidade Vilela, situada entre os municípios de Junco do Maranhão, Boa Vista do Gurupi e Amapá do Maranhão, mais de 100 famílias não podem realizar plantio de alimentos saudáveis, pois o grileiro de terras gaúcho Nestor Osvaldo Finger, com a presença de homens armados, cercou parte da área de plantio das centenas de famílias, impedindo o acesso das mesmas às áreas agricultáveis. Na mesma região, na comunidade São João, uma senhora teve sua casa incendiada criminosamente por grileiros de terra que atuam na região.

No quilombo de Santa Maria dos Moreiras, zona rural de Codó, animais do deputado estadual Cesar Pires (DEM), lidera do governo Roseana Sarney na Assembleia, causaram prejuízos robustos aos quilombolas. Conforme relatório técnico do Engenheiro Agrônomo Clovis de Almeida Silva-CREA/MA 111053288-1, datado de 20 de novembro de 2012, as várias roças destruídas pelos bois do deputado importaram num prejuízo de R$ 51.259,20!  Ademais, na localidade, em 03.02.2013, duas casas foram incendiadas, criminosamente, na primeira quinzena de fevereiro. Ainda em Codó, na comunidade Vergel, a capela foi incendiada, várias espécies vegetais derrubadas para venda clandestina e 12 famílias ameaçadas de morte.

No território de Campestre, zona rural de Timbiras, a liderança Brechó sofreu tentativa de homicídio, quando três tiros foram disparados contra sua pessoa por desconhecidos, no dia 16.02.2013. Além, há forte atuação de madeireiros, que destroem o cerrado, numa das poucas áreas preservadas da região dos cocais.

No quilombo Depósito, município de Brejo, a partir do dia 26 de janeiro de 2013, tratores começaram a realizar o desmatamento em território pertencente à comunidade, além de realizarem o gradeamento da área. Segundo informações obtidas junto aos funcionários da fazenda, a área está sendo preparada para plantio de cana de açúcar. Consta assinalar que a área teria sido arrendada pela proprietária Maria Vitória Fortes Lages Cavalcante a gaúchos (como são conhecidos todos os latifundiários do Centro-Sul do país que vêm se instalando na região) para a realização desse plantio. As lideranças quilombolas informam que pessoas a mando dos arrendatários da propriedade(ainda não identificados) estão armadas com rifles e outras armas de fogo, ameaçando-os e matando os pequenos animais de criação dos quilombolas. Os mesmos tentaram registrar boletins de ocorrência na delegacia local e apresentar denúncia na promotoria de justiça da comarca, mas não lograram êxito em virtude das reiteradas ausências do delegado e do promotor de justiça;

No quilombo Aldeia Velha, Pirapemas, caprinos do fazendeiro Ivanilson Pontes de Araújo destruíram, por quatro vezes, a roça do quilombola José da Cruz. Na quinta vez, em 31 de janeiro de 2013, por ter abatido um dos animais do fazendeiro, que destruía mais uma vez toda sua roça, Zé da Cruz foi preso, humilhado e torturado por policiais militares do Maranhão, lotados em Pirapemas.

Somando-se a este quadro social extremamente violento, a redução das áreas de plantio, associada com o avanço dos monocultivos em várias regiões do Maranhão ( o Maranhão é o quinto produtor nacional de soja!), além dos longos períodos de estiagem vividos intensamente nos últimos dois anos aumentaram, assustadoramente o preço de vários alimentos, que fazem parte da mesa do maranhense: a tradicional farinha custa, em algumas feiras da capital, São Luís, 9 reais o quilo ( há 3 anos, não chegava a 5!); em Caxias, 1 kg de feijão abafado custa pelo menos 8 reais; a tradicional galinha caipira não é encontrada por menos de 25 reais.

No Estado do Maranhão, as unidades econômicas camponesas caracterizam-se pela itinerância dos cultivos anuais, pela roçagem e queima da vegetação natural, pela criação de aves e suínos em pequena escala, pelo extrativismo de madeira e frutas nativas (açaí, muruci, bacuri, babaçu) e pela fabricação de farinha de mandioca. Tendo como principal finalidade a garantia do autoabastecimento ou a compra de produtos (sal, açúcar, café, roupas, calçados, medicamentos e bebidas) e serviços que, embora não sejam gerados pelo sistema de cultivo, são necessários à reprodução dos membros do núcleo familiar. Esses gastos são cobertos pela renda monetária obtida na venda de parte da produção agropecuária e agroindustrial, especialmente, de farinha de mandioca[2]

Desta forma, a redução exponencial das áreas de reprodução social e econômica do campesinato maranhense ocasiona desemprego em massa e, como consequência, a falta de acesso à alimentação adequada, restringindo o direito de comer bem  a produtos de qualidade maléficas, como os diversos processados industrialmente (os instantâneos, os enlatados, os transgênicos, cujos preços são mais baixos).

O termo alimentação adequada, além de especificar várias questões relacionadas ao Direito Humano à Alimentação Adequada, coloca duas dimensões indivisíveis desse Direito: a primeira é o direito de estar livre da fome e da má nutrição e a segunda dimensão é o direito de ter aces­so físico e econômico aos meios para obtenção de uma alimentação adequada.

Em 1999 o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, órgão responsável pelo monitoramento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reforçando o artigo 11, definiu no comentário geral 12 o Direito Humano à Alimentação Adequada da seguinte forma:

Comentário Geral número 12:

O direito humano à alimentação O direito à alimentação adequada realiza-se quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. O direito à alimentação adequada não deverá, por­tanto, ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos. O direito à alimentação adequada terá de ser alcançado de maneira progressiva. No entanto, os estados têm a obriga­ção precípua de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome, como estipula­do no parágrafo 2 do artigo 11, mesmo em épocas de desastres, naturais ou não.

Dados da FAO indicam que existem mais de 840 milhões de pessoas no mundo que passam fome. No Brasil, vários estudos apontam a existência de números inaceitáveis de pessoas submetidas à fome e insegurança alimentar. Dados de distintas fontes indicam que mais de 20 milhões de pessoas passam fome e entre 40 a 50 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Nesta direção, expressivo percentual da população de nosso Estado passa fome, a saber, mais 1.675.000,00 ( um milhão, seiscentos e setenta e cinco mil) maranhenses.

Estas graves violações têm como ancoradouro a morosidade dos governos federal e estadual em desapropriar áreas para a Reforma Agrária, o descaso em agilizar o processo de identi­ficação, demarcação e homologação de terras quilombolas, bem como o estímulo desenfreado ao avanço do agronegócio.

A face hedionda do agronegócio não se restringe aos assassinatos, tentativas de homicídios, incêndio de casas e capelas e torturas contra trabalhadores rurais. A fome no mundo é percebida pelas instituições multilaterais, pelos governos e pelas empresas privadas transnacionais mais vezes como um negócio do que como uma questão de humanidade humilhada pela fome e a desigualdade social[3]. Eis o caso do Maranhão. Nossa fome, hoje, não é apenas a fome de farinha!

[1] Advogado CPT/MARANHÃO

[2] Antônio Carlos Reis de Freitas: A crise ecológica na agricultura familiar do Estado do Maranhão: contribuições para um debate- NCN - Novos Cadernos NAEA, Vol. 2, No 2 (1999)

[3] Horacio Martins de Carvalho, O campesinato contemporâneo como modo de produção e como classe social, Curitiba.2012

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