COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Dezenas de organizações e movimentos sociais, entre elas a CPT, assinam Carta enviada a Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, sobre ameaças deferidas pelo Ministro da Defesa do Brasil ao processo eleitoral de 2022.

O documento destaca que “O Brasil implementou há décadas um sistema seguro de votação por urna eletrônica, o qual tem sido regularmente testado por instituições independentes e experts em segurança cibernética. Ademais, o sistema é auditável e as apurações são vistoriadas pela sociedade civil, inclusive por membros dos próprios partidos. O processo eleitoral brasileiro é acompanhado de perto por várias entidades internacionais que não detectaram problemas com as eleições pós ditadura, tampouco no sistema das urnas eletrônicas”.

As organizações que assinam a Carta pedem à Alta Comissária atenção a esse tema, que coloca em risco a democracia no Brasil.

Confira:

Brasil, 26 de julho de 2021.

Sua Excelência
Michelle Bachelet
Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Senhora Alta Comissária,

As entidades que assinam esta carta veem com extrema preocupação a declaração ameaçadora do Ministro da Defesa do Brasil ao processo eleitoral de 2022. Segundo noticiado hoje pelo jornal O Estado de São Paulo, no dia 22 de julho de 2021, o Ministro da Defesa, Walter Braga Netto, no dia 8 de julho último, acompanhado dos chefes da Marinha, Exército e Aeronáutica, pediu para comunicar que, “a quem interessar, diga que, se não tiver eleição auditável, não terá eleição’.1 Segundo apurou o periódico, em conversa com um grupo restrito da política e do Poder Judiciário, a declaração foi dada em tom sério, o que criou um clima tenso entre os interlocutores, um deles dizendo : “[a] conversa que eu soube é que o ministro da Defesa disse a um dirigente de partido. Teve um momento de muita tensão. Não foi brincadeira, não.”2

O Brasil implementou há décadas um sistema seguro de votação por urna eletrônica, o qual tem sido regularmente testado por instituições independentes e experts em segurança cibernética. Ademais, o sistema é auditável e as apurações são vistoriadas pela sociedade civil, inclusive por membros dos próprios partidos. O processo eleitoral brasileiro é acompanhado de perto por várias entidades internacionais que não detectaram problemas com as eleições pós ditadura, tampouco no sistema das urnas eletrônicas. As eleições no Brasil estão a cargo do Poder Judiciário, tendo sido criada uma justiça eleitoral especializada e com presença em todos os Estados da Federação. A Justiça Eleitoral vem cumprindo seu papel institucional, de acordo com a Constituição. Desde que tomou posse, o Presidente Jair Bolsonaro tem atacado sistematicamente o atual sistema eletrônico, sem, contudo, apresentar provas minimamente plausíveis. Em seu ataque sistemático, o Presidente com frequência ameaça o Tribunal Superior Eleitoral e o processo eleitoral do Brasil. Em uma de suas ameaças, durante uma transmissão através de mídia social, dia 6 de maio, enfatizou:

“Ninguém aceita mais esse voto que está aí. A única republiqueta do mundo que aceita o voto
é a nossa, que aceita esse voto eletrônico. Isso tem que ser mudado. Se o Parlamento, sendo
3/5 da Câmara e do Senado, aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final.
Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso. Se não tiver voto impresso, não tem
eleição. Acho que o recado está dado”.3

Em suas três décadas de redemocratização, o Brasil ainda vem tendo sérios desafios, com um processo de justiça de transição gradual e tardio, uma dívida histórica enorme com a população negra, quilombola, cigana, indígena, LGBTI, de mulheres, pobre e de periferia, que necessita das instituições democráticas para exercerem seus direitos em condições de igualdade. A ameaça vinda das Forças Armadas tem uma conotação grave no contexto brasileiro, em vista da ditadura militar que perdurou do Brasil de 1964 a 1985, dando um verdadeiro tom de ameaça à democracia participativa e social no Brasil.

O atual governo, atuando na contramão das conquistas duramente alcançadas, ameaça a democracia no Brasil, fecha o espaço cívico, nega a existência da ditadura militar, além de deixar de garantir direitos básicos aos grupos marginalizados no País. Ademais, o alto grau de participação das Forças Armadas no atual governo, sem que o País tenha passado por um processo completo de justiça de transição, é um tema de preocupação. 

Pedimos à Alta Comissária a mais alta atenção sobre o conteúdo desta carta.

Em resistência:

1. Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado
2. Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
3. Assessoria Popular Maria Felipa - MG
4. Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
5. Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais - ABONG
6. Associação Juízes Para à Democracia - AJD
7. Centro de Estudos sobre Justiça de Transição da UFMG
8. Comissão justiça e paz sao Paulo
9. Comissão Pastoral da Terra
10. Conselho Indigenista Missionário - CIMI
11. Fundação Luterana de Diaconia - Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor - Conselho de Missão entre
Povos Indígenas (FLD-COMIN-CAPA)
12. Iepé - Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
13. Instituto Cigano do Brasil - ICB
14. Instituto Vladimir Herzog
15. Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
16. Movimento Nacional de Direitos Humanos- MNDH Brasil
17. Novo Projeto Social - Transbordamos Amor
18. OMCT - World Organization Against Torture
19. RCA - Rede de Cooperação Amazônica
20. Red Internacional de Derechos Humanos - RIDH

1 https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-da-defesa-faz-ameaca-e-condiciona-eleicoes-de-2022-ao-votoimpresso,70003785916
2 Ibid.
3 https://www.otempo.com.br/politica/vai-ter-voto-impresso-em-2022-e-ponto-final-dispara-bolsonaro-em-live1.2481971

 

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline