COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos repudiam a Nota da FUNAI, em que a Fundação ataca deliberadamente o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a ação indigenista no Brasil dos últimos 30 anos. Confira:

Nós organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos abaixo assinadas, repudiamos com veemência a Nota apócrifa veiculada pela Assessoria de Comunicação da Fundação Nacional do Índio – Funai, em que, além de defender piamente o governo fascista de Jair Bolsonaro, ataca o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e sobretudo o Indigenismo brasileiro dos últimos trinta anos. Diante dos tantos absurdos proferidos na Nota citada, manifestamos o nosso veemente repúdio e destacamos:

A Constituição Brasileira de 1988, especialmente em seus Artigos 231 e 232 rompeu com a lógica tutelar, assimilacionista, integracionista, portanto genocida e etnocida, vigente desde o ano de 1500 na relação do Estado brasileiro para com os povos originários de nosso país.

O Movimento indígena, com forte participação dos povos de todas as regiões do Brasil e com apoio de amplos setores da sociedade brasileira, dialogamos e contribuímos organicamente com os Deputados Constituintes no processo de elaboração e aprovação da nossa Carta Magna. Desde então, nos empenhamos diuturnamente na defesa do texto Constitucional brasileiro e cobramos a sua devida, tempestiva e necessária implementação no intuito de que os direitos dos povos originários sejam reconhecidos e respeitados de fato pelos órgãos e autoridades públicas dos três Poderes do Estado Brasileiro.

Mesmo com a oposição ferrenha e a continuidade dos ataques, agressões, violências e violações por parte de grupos econômicos, ávidos e insaciáveis, especialmente vinculados aos interesses financistas de grandes fazendeiros, madeireiros e garimpeiros e de poderosas corporações empresariais, nacionais e transnacionais, do agronegócio e da mineração, os povos indígenas, suas organizações e suas lideranças nos últimos trinta anos, mantiveram a resistência e a luta em todos os níveis e conquistaram importantes vitórias no que tange a implementação, pelo Estado brasileiro, dos direitos fundiários, culturais, religiosos, sociais, político-econômico e ambientais devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira.

Infelizmente, em muitos temas e situações, os inimigos dos povos indígenas impediram que o Estado brasileiro e os diferentes governos que se sucederam no Brasil desde 1988, respeitassem e implementassem a Lei Maior de nosso País. Em função disso, persistem situações inaceitáveis e vexaminosas para o nosso país, a exemplo dos assassinatos recorrentes de lideranças indígenas, da não demarcação de centenas de terras indígenas e a consequente situação de pobreza e vulnerabilização sócio-cultural de povos, como ocorre com os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e de tantos outros país afora, das invasões criminosas e da grilagem de terras já demarcadas, dentre outras.

O governo Bolsonaro, subserviente aos interesses das grandes corporações empresarias transnacionais do agronegócio e da mineração, afronta o texto Constitucional de nosso país e tenta impor a ideologia da tutela, do assimilacionismo, inclusive religioso, do integracionismo, a negação dos direitos fundiários, a negação do direito de usufruto exclusivo das terras, favorecendo as invasões, a grilagem e a exploração das mesmas por terceiros não-indígenas.

Para alcançar estes objetivos, dentre outras iniciativas, o governo Bolsonaro instrumentalizou politicamente o órgão indigenista – Funai -, nomeando para a presidência da mesma uma pessoa que trabalhou ao lado e à serviço da bancada ruralista, arqui-inimiga dos povos indígenas, nas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que esta impôs na Câmara dos Deputados, de outubro de 2015 a maio de 2017, contra a Funai e contra o Incra. Esta CPI foi usada pelos ruralistas na tentativa de criminalizar mais de 20 lideranças indígenas ampla e positivamente reconhecidas pelos seus povos, além de servidores dos dois órgãos, Procuradores da República membros do Ministério Público Federal (MPF), cientistas sociais, especialmente antropólogos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e indigenistas de organizações da sociedade civil brasileira reconhecidamente aliadas dos povos indígenas de nosso país.

Obediente e afoito para agradar o presidente da República e os ruralistas, que o indicaram, o presidente da Funai, está tentando transformar o órgão indigenista numa mera sucursal dos interesses privatistas do latifúndio, do agronegócio, dos madeireiros e mineradores, numa espécie de cartório de legalização da grilagem, invasão e esbulho de todas as terras indígenas não homologadas, o que constitui uma clara inversão da atribuição regimental do órgão indigenista, qual seja, a regularização e proteção desses territórios que são bens públicos do Estado brasileiro, conforme estabelece o Artigo 20 da CF. Faz isso ao adotar medidas radical e frontalmente antagônicas aos direitos indígenas consagrados na Carta Cidadã, a exemplo, dentre outras, da Instrução Normativa 09, de 22 de abril de 2020, da anulação do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas e da implementação do Parecer 01 de 2017 da AGU, que postula falaciosamente a tese do marco temporal, advogando contra os direitos territoriais dos povos indígenas, o direito originário, nato, congénito, reconhecido de forma implacável pela Constituição Federal de 1988. Medidas estas publicamente criticadas por órgãos de controle como o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU). No caso específico das áreas ocupadas por povos indígenas voluntariamente isolados, a Instrução Normativa 09 é essencialmente genocida, considerando que existem evidencias de pelo menos 86 povos indígenas em situação de isolamento voluntario e muitos destes estão em terras indígenas não homologadas.

Com a Nota apócrifa acima citada, a Funai tenta, além de promover ameaças a pessoas e organizações aliadas dos povos indígenas do Brasil, disfarçar a própria incompetência de seus gestores diante da grave ameaça que os povos enfrentam com o avanço do novo Coronavírus. Neste sentido, as organizações abaixo assinadas instam a presidência da Funai a fazer uso, imediato e devido, dos 10 milhões de reais disponibilizados para adoção de medidas de contenção da Covid-19 entre os povos indígenas. Como já denunciado publicamente, esse valor, embora insuficiente, não está sendo usado devidamente. A maior parte continua sem uso e parte dele foi usado para aquisição de bens de infra-estrutura para a própria Funai.

O ataque aos povos indígenas, seus direitos, suas organizações, suas lideranças e seus aliados por parte da Funai é a confirmação da opção ideológica de um governo fascista, racista e genocida, que insiste em desrespeitar a Lei Maior de nosso país ao não admitir a diversidade, de povos e culturas. O Governo Bolsonaro continua se apegando a um discurso atrasado, agressivo e focado em inimigos imaginários, ao invés de enxergar a gravidade da pandemia do Coronavirus, Covid-19, para os povos indígenas e se preocupar em priorizar a proteção de suas vidas e territórios.

As organizações abaixo assinadas conclamam, por tudo isso, a todos os povos indígenas do país a se manterem unidos e firmes em defesa de seus projetos de vida e futuro o que, neste momento aponta para a necessidade de se reconhecer a gravidade da pandemia do Coronavirus, Covid-19 e, também, da cruel letalidade que é para os povos indígenas o governo Bolsonaro. Diante da grotesca Nota da Funai, mais um recurso para esconder o real descaso com os povos indígenas, reafirmamos que seguiremos alertas e vigilantes pela defesa dos direitos indígenas.

Por fim, repudiamos a tentativa governamental de silenciar os povos indígenas e seus aliados. A liberdade de associação, garantia fundamental prevista no artigo 5º da Constituição da República, caminha de mãos dadas com a liberdade de expressão. Num contexto de Democracia, a sociedade civil, formada pelos mais diversos grupos de cidadãos, reflete o pluralismo de ideias e de interesses da sociedade. Por isso, entre seus direitos também estão os de participar, falar e exercer sua liberdade sem ser censurada, ameaçada ou perseguida politicamente. A legitimidade democrática de um governo não reside no número de votos obtidos na eleição, mas no compromisso e na garantia dos direitos de todos, pessoas físicas ou jurídicas. É o que reza a Constituição, esta sim, acima de todos.

Brasília – DF, 06 de maio de 2020.

Assinam:

 

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo – APOINME
Articulação dos Povos Indígenas do sudeste – ARPINSUDESTE
Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPINSUL
Associação Wyty Cate das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Associação Floresta Protegida
Associação xavante wara
Aty Guasu
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Guarani Yvyrupá
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Braisileira – COIAB
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Coletivo Proteja Amazônia
Congregação das Irmãs Jesus de Bom Pastor
Conselho Terena
Conectas Direitos Humanos
Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira SP/PR - EAACONE
Fórum Ecumênico ACT Brasil – FEACT-Brasil
Indigenistas Associados – INA
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IIEB
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Raoni
ISA- Instituto Socioambiental
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado
Observatório dos Direitos Humanos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – OPI
Projeto Saúde e Alegria
Rede de Cooperação Amazonica – RCA
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH
Uma Gota no Oceano
UNIVAJA – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari
WWF-Brasil

A PRESENTE NOTA ESTÁ ABERTA PARA DEMAIS ADESÕES.

 

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline