COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

“Isso tudo poderia nos desanimar, mas é preciso retomar a parceria de 300 anos.”

Fonte / Imagens: CPT Rondônia

O Vale do Guaporé foi um território de liberdade e de resistência. Conta a história que no Brasil correu a fama que aqui viviam os negros em liberdade. O Quilombo do Piolho foi atacado duas vezes, na segunda vez montaram um acampamento permanente e as famílias se espalharam pelo Vale e se misturaram com os indígenas. Essa aliança é antiga e as identidades se entrelaçam e se fortalecem.

Recontar essa história e mantê-la viva é reafirmar as identidades: “é o fato de dizer que tenho uma origem, tenho uma história e isso tem valor”. Essa história continua sendo escrita hoje, com a luta e a resistência das comunidades tradicionais do Vale do Guaporé.

 São as águas de quatro importantes rios: São Miguel, Manuel Correia, Guaporé e Cautário, que reuniram nos dias 5 e 6 de outubro de 2019, na Comunidade Quilombola de Santa-Fé, as comunidades quilombolas: Santa-Fé, Santo Antônio, Jesus, Pedras Negras, Forte Príncipe da Beira; as etnias indígenas: Puruborá, Kujubim, Miguelenos; e ainda extrativistas da Reserva Extrativista do Rio Cautário, para celebrar a vida das comunidades, fortalecer as identidades e a cultura, refletir sobre o momento atual, articular as lutas por direitos e políticas públicas e reafirmar a necessária resistência!

A conjuntura atual tem apontado para um avanço sobre os territórios, com invasões e retirada de direitos, com o esvaziamento de políticas públicas e a desorganização dos órgãos responsáveis pelo atendimento dos povos tradicionais. O aumento da violência é uma das faces desse cenário. Segundo a CONAQ, de 2016 para 2017 a violência contra os negros aumentou em 350%. A invasão dos territórios tradicionais, as queimadas e o desmatamento são uma tragédia ambiental, mas também social, pela relação de interdependência das comunidades tradicionais e o território, fonte da vida, da espiritualidade e da cultura dos povos.

Denunciamos o modelo expansionista e devastador da agricultura pautado no agronegócio. Os povos tradicionais sempre produziram alimento convivendo de forma harmônica com a floresta Amazônica. Denunciamos o Estado Brasileiro que, por meio de Projetos de Emenda Constitucional (PECs), Medidas Provisórias e audiências, vêm negociando os territórios, propondo a autorização de arrendamento de terras e a liberação para a exploração de minérios. Não abrimos mão do direito de consulta prévia e dizemos Não ao modelo de exploração, que representa a morte da floresta e dos povos. “Nós continuaremos lutando pela libertação da terra e pela nossa libertação!”, Dona Mafalda, matriarca de Santa-Fé.

Seis povos no estado de Rondônia estão lutando pela demarcação de seus territórios, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “O nosso povo foi expulso do território tradicional e estamos lutando até hoje. Estou participando para aprender. É ruim a interferência do IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] proibindo de caçar, pescar, aplicando multas. Vocês sabem que indígenas vivem de pesca e caça”, disse Josigleuma Migueleno.

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Acordo sobre o território quilombola de Santo Antônio do Guaporé, em Rondônia

Além de um evidente ataque aos territórios já titulados, o Estado mata os povos pela negação dos direitos. “Nós militamos muito nessa questão de direitos, mas o direito nunca chega até a gente”, destacou Roberto, do Quilombo de Santo Antônio. A titulação de territórios é extremamente lenta, com recursos irrisórios e que a cada ano sofre novos cortes, assim como as políticas públicas têm um esvaziamento, ou congelamento de recursos que levam à precarização, principalmente nas áreas de saúde e educação. “Hoje já passei dos 50 anos, estudo na 4ª série, quero fazer uma faculdade ainda, mas do jeito que está a educação na comunidade, professor trabalhando sem vontade e só meio período e outros que nem vêm na comunidade, além de não ter uma preparação pedagógica para nos ensinar”, reivindica Beatriz, Comunidade Quilombola de Jesus.

Todas as comunidades reclamam estar desassistidas e descobertas em termos de políticas públicas, quando não, são lesadas porque o recurso vem para investimentos nas comunidades, mas não se efetiva. “Quando ficou apenas uma comunidade brigando, não conseguiu. São as comunidades juntas para buscar os direitos”, membro da Comunidade Quilombola do Forte.

A mineração e as obras de infraestrutura são uma preocupação para as comunidades: “Nada hoje está garantido. Além das terras que ainda precisam ser demarcadas, a mineração está aí e vai vir mesmo”, diz Mário, professor sabedor indígena Puruborá. As estradas podem dar abertura aos invasores: “Se ligarem a estrada do 33 até surpresa, as reservas extrativistas e indígenas vão pagar o preço”, diz Gonzaga, Seringueiro da Resex do Cautário.

A resistência dos povos indígenas, quilombolas e extrativistas é ancestral. “Vocês estão preocupados com 4 anos, não se preocupa não, é hora de se fortalecer”, disse José Kujubim. A mensagem desse encontro é de uma história construída com muita luta e muita aliança, em tempos difíceis é dar as mãos e seguir lutando.

Daqui, a nossa saudação aos povos que estão reunidos na abertura do Sínodo Para a Amazônia e as nossas esperanças de continuar contando com uma igreja profética e presente junto aos povos tradicionais. 

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