COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 


Representantes de vários países descreveram panorama de uso de agrotóxicos em países da América Latina. Um dos estudos mostrados relaciona aumento do número de autismo a uso de agrotóxicos

(Texto: Cristiane Passos / Edição e Foto: Mário Manzi - CPT Nacional)

A tarde do dia 11 de dezembro, do I Seminário Internacional e III Seminário Nacional: Agrotóxicos, Impactos Socioambientais e Direitos Humanos, foi reservada à Roda de Conversa "Agrotóxicos na América Latina". Realizada no auditório da Universidade Estadual de Goiás – Regional Cidade de Goiás, a mesa foi iniciada com palavras de ordem que lembraram a luta do povo contra a opressão aos povos tradicionais da América Latina. As falas reforçaram os crimes cometidos na repressão e criminalização da luta dos povos, reafirmando, contudo, a resistência.

Dom Eugênio Rixen, bispo da diocese de Goiás, foi chamado para a palavra de abertura, que antecedeu a formação da Roda. Rixen, que não pôde estar na cerimonia de abertura, falou da importância do tema do Seminário em relação ao uso indiscriminado de agrotóxicos e destruição do meio ambiente e do Cerrado. Ele abordou também as recorrentes queimadas do cerrado, “destruindo a natureza, destroi-se o ser humano. Papa Francisco, fala de uma ecologia integral. Destruindo a natureza, nós também destruímos o ser humano”. Ao fim da fala, o bispo parabenizou os organizadores.

Em seguida, um grupo de mulheres agricultoras do Estado Goiás leu uma carta aos participantes da mesa. O documento discorreu acerca do processo de organização das mulheres, do processo de formação da agroindústria e da inserção dos projetos nos programas do governo, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Leonardo Melgarejo, da Associação Brasileira de Agroecologia, abriu a mesa. Representando também a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Melgarejo ressaltou que a Ciência não pode se eximir da Arte e da Cultura,  ressaltando a importância de trazer a religiosidade – em conformidade com a fala de Dom Eugênio –, dada a importância das manifestações culturais.

Carla Hoinkes, da organização suíça Public Eye, iniciou a fala com uma comparação entre as realidades do país europeu e do Brasil. “Temos uma agricultura que prioriza a agricultura familiar. A maior fazenda do país possui 200 hectares e estamos na construção de políticas públicas para que proíbam totalmente o uso de agrotóxicos. Ao mesmo tempo a Suíça é o país que mais possui empresas multinacionais do mundo – é o maior mercado financeiro de café, cacau, algodão e soja. Tudo isso não passa fisicamente na Suíça mas as negociações financeiras passam por lá. Algumas empresas de agrotóxicos também fazem seus acordos econômicos no país. A Syngenta, principalmente, lidera o mercado mundial de agrotóxicos.”

Segundo Hoinkes, 75% dos pesticidas vendidos na América Latina já não são mais usados na Europa. No caso da empresa suíça Syngenta, seu maior mercado é a América Latina, e o país para o qual a empresa mais vende no mundo é o Brasil. Hoinkes também informou que a Syngenta produz 25% dos agrotóxicos consumidos no mundo. “A nossa organização faz o trabalho de denunciar ao mundo os riscos do uso desses pesticidas. Na Suíça há inciativas populares que podem mudar a lei, e nós lançamos uma [dessas iniciativas] que pode responsabilizar a Suíça por pessoas que tenham consequências por conta de empresas sediadas no país. Isso para pressionar o país a regular essas empresas. Nós precisamos dar visibilidade a esse problema. Parte da sociedade na Europa não sabe o que acontece de fato”.

A fala seguinte, de Marianella Irigoyen, advogada especialista em Direito Ambiental, do Equador, falou sobre o ciclo dos agrotóxicos na vida dos latino-americanos “Vamos falar de agrotóxicos na América Latina, mas o que é América Latina? É agrobiodiversidade, é cultura, é diversidade, é riqueza de sementes, de mulheres, de homens, temos que partir primeiro dessa ideia”.

De acordo com Irigoyen, no Equador os agrotóxicos começaram a ser produzidos de forma massiva destinados à exportação, porém ela relata que são recorrentes fumigações aéreas feitas sobre pessoas e transeuntes. A contaminação atinge também a mesa da população “esses alimentos [contaminados] entram nas cestas básicas, são os alimentos mais consumidos”. A advogada associa o aumento  do consumo de agrotóxicos à entrada de alimentos transgênicos no país, iniciando-se, com isso, a luta por um Equador livre de transgênicos. Completando a fala, ela informa que é contemporânea, à entrada dos agrotóxicos, o surgimento de muitos casos de câncer e má formação.

Aline do Monte Gurgel, pesquisadora da Fiocruz e membro da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos e Pela Vida, falou da importância da campanha, que tem, entre os objetivos, explicitar as contradições do modelo do agronegócio. “Esse novo governo, com proposta de redução de direitos, deixa mais claro as contradições do sistema. O Brasil desde a década de 1990 vem passando por um aumento da dependência do neoliberalismo e da exportação de commodities, baseadas principalmente nos produtos dos monocultivos. Em 2008 temos o registro de 25 milhões de casos de envenenamento por ano, com 20 mil mortes ocasionadas por agrotóxicos. É um problema de saúde pública que interfere na economia do país”, finaliza.

María Angélica Kees, da Red de Salud Popular Dr. Ramón Carrillo del Chaco, iniciou a fala mostrando a região de onde vem, com sua enorme diversidade de solo, flora e fauna. Segundo ela, estão tentando mudar a matriz de alta diversidade de produção e a biodiversidade da região para uma matriz de supremacia do modelo do agronegócio, o que ocasionou o genocídio de seus povos. Outro problema citado por ela e que ocorre em seu país de origem, se refere à acumulação e apropriação indevida de terras, além do processo de estrangeirização destas. “Daí surge a questão da agroecologia como uma ferramenta política, na tentativa de equilibrar as forças. Para nós, a agroecologia é luta. Luta no sentido de reconstrução cultural, de reordenamento político e de luta partidária”, enfatiza.

María Isabel Cárcamo Pavez, da Red de Acción en Plaguicidas y sus Alternativas para América Latina (RAPAL), deu um breve relato sobre a situação do Uruguai. Segundo Pavez, “[o Uruguai] é um país pequeno, com 17 milhões de hectares, sendo apenas cinco [milhões] cultivados, e destes, 1,5 [milhão] com transgênicos”. Segundo informou, os pesticidas foram introduzidos no país, mesmo sem haver qualquer problema de contaminação de pragas, como um negócio a mais. Para ela, os impactos dos agrotóxicos vão muito além dos impactos ambientais, “quando se destroi a biodiversidade, se destroi o ser humano”.

Ao abordar a experiência de resistência que povos tradicionais e pequenos camponeses traçam no Paraguai, Saturnina Almada, da Organización de Mujeres Campesinas e Indígenas (Conamuri), sucedeu a fala de Pavez e denunciou “Hoje é o país mais afetado no que tange os Direitos Humanos”. Em contraponto, completou “e mesmo assim é possível formar uma área livre de agrotóxicos. Não só os camponeses como também os indígenas estão tentando certificar uma pequena comunidade como livre de agrotóxicos”.

Pedro Delgado, do Ministério Público do Peru, informou que o país investiga os crimes ambientais, tanto em relação aos recursos naturais, quanto em relação à saúde da população, mas ainda não há ferramentas suficientes para identificar os responsáveis. “No direito penal existem várias figuras políticas e não se define quem vai responder pelo crime”. Sobre essa situação ele enfatiza que em sete anos de proibição legal, ainda não houve proibição de fato do uso de agrotóxicos.

Alejandra Crespo, da Cordinadoria por el Medio Ambiente da Bolivia, deu seguimento à fala. De acordo com ela, jovens, artistas, indígenas e produtores compõem parte da plataforma livre de transgênicos e da plataforma agroecológica. Ainda segundo ela, esse grupo acredita a agroecologia como uma proposta de todos e todas. “A Bolívia é o primeiro país a reconhecer a natureza como direito supremo e proibir o uso de agrotóxicos, e que tem como proposta diminuir gradativamente o uso de transgênicos, que se reduz à soja transgênica”. Apesar desse contexto, ela informa que essa deliberação “não foi cumprida, como também aumentou o uso de agroquímico, contaminando a água do país”. O desafio agora foca na preservação do milho. “Não querem o uso de milho transgênico para não contaminar o milho que é símbolo dos bolivianos [mas] já existem 60 mil hectares de milho transgênico no país”.

Para Fernando Bejarano, da Red de Acción sobre Plaguicidas y Alternativas en México (Rapam), México, o inimigo comum é o mercado capitalista, especificamente as empresas transnacionais. “O México quer frear a revolução verde”, pontuou.

Javier Albea, médico do Movimento Ciência Cidadã (UCCSNAL), Argentina, complementou a fala de Bejarano informando que “cientistas comprometidos [com a realidade dos agrotóxicos] sempre fizeram críticas ao capitalismo, e se envolveram com a defesa da vida, incorporando-se aos movimentos sociais e outros atores sociais”. Ainda na fala de Albea, “a partir do discurso dominante, as soluções técnico-cientificas são atribuídas a um papel cada vez mais preponderante na resolução de crises”. Ao abordar a realização de um trabalho de compilação de informações sobre a proibição de glifosato em 2015 ele apontou que “o glifosato não é o único problema, mas é a ponta do iceberg”. Albea, em seguida, convidou a todos ao V Congresso Internacional de Saúde Sociambiental e II Encontro Intercontinental “Mãe Terra: Uma Saúde” que será realizado na cidade argentina de Rosário, em junho de 2019, sob o tema “Ciência digna para a saúde dos Ecossistemas”.

Noite

Iniciada às 20 horas, no auditório da UEG, a Roda de Conversa “Agrotóxicos, saúde, impactos socioambientais e direitos humanos” teve como mediadora a aluna do Pronera na turma Fidel Castro de Direito Agrário, Ariana Nunes. Paula de Paula conduziu a atividade cultural que precedeu a formação da mesa.

A ativista indiana Vandana Shiva, que participaria do Seminário, enviou um vídeo explicando o motivo da ausência. Na mensagem, ela demonstrou solidariedade à luta contra os agrotóxicos na América Latina e explicou um pouco sobre sua trajetória de resistência, iniciada no ano de 1984.

Iniciada a Roda de Conversa, Karen Friedrich, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), comentou a organização do dossiê Abrasco, realizado com vários pesquisadores e organizações presentes no Seminário.

Sobre a tentativa de barrar lei ruralista chamada de “Pacote do Veneno”, Friedrich informou que foram realizados vários debates sobre o Projeto de Lei em questão. “Esse debate reuniu o posicionamento sobre a política nacional de agrotóxicos. [Ao todo são utilizados] sete litros de agrotóxicos por pessoa, por ano, para produzir o que comemos e o que exportamos. Esse uso impacta o meio ambiente e a sociedade. O mapa de soja e milho se sobrepõe aos mapas dos aquíferos brasileiros, o que também causa a contaminação da água”.

Ao abordar a situação das notificações de intoxicação, a pesquisadora informou que muitos dos casos não são registrados. Apesar dessa subnotificação, Friedrich mostrou informações sobre suicídios decorrentes da exposição a agrotóxicos. Segundo ela, “esses produtos causam consequências no sistema nervoso central, também por conta da depressão ocasionada pelas mudanças climáticas, bem como mudanças no sistema agrícola que acabam pressionando os pequenos agricultores”.

Dando continuidade ao panorama dos danos causados pela indústria de Agrotóxicos, Leonardo Melgarejo, da ABA, explicou sobre a questão do milho. Nas palavras dele, “o milho, fonte da vida, hoje é fonte de morte em muito lugares. Em setembro de 2018 foi aprovado no Brasil um milho que é tolerante a quatro herbicidas” em seguida o pesquisador explicou sobre os riscos aos quais as comunidades tradicionais estão submetidas, dado o avanço da referida indústria.

Damián Marino, dedicou sua fala à atuação da organização da qual faz parte, a União dos Cientistas Comprometidas com a Sociedade e a Natureza na América Latina (Uccsnal). Segundo Marino, a Uccsnal é um grupo de trabalho multidisciplinar que reúne mais de 30 pessoas de várias áreas temáticas com o objetivo de usar as ferramentas científicas para escutar e atender as necessidades das comunidades. O grupo também se destina a discutir o que fazer com a informação e o conhecimento produzidos, para que não fiquem restritos aos muros da universidade. Os estudos sobre as consequências dos agrotóxicos fazem parte desse contexto. Nesse sentido, ele exemplifica uma das ações do grupo – foram realizados estudos em um dos rios mais importantes da Argentina, medindo os índices de glifosato. Constatou-se que quanto mais ao sul, maior a concentração do agrotóxico. O estudo também verificou a presença do glifosato no alimentos de cachorros e gatos. Marino também abordou as fumigações realizadas próximas a escolas. “As crianças respiram os agrotóxicos que chegam pelo ar, mais de 80% das crianças pesquisadas nessas regiões [de fumigação] já apresentam danos genéticos”, conclui.

Com fala também na noite da terça, Fernando Bejarano contestou o discurso da indústria de agrotóxicos no que tange o manuseio de pesticidas e que não basta colocar uma vestimenta específica para a proteção quando da aplicação do produto. Conforme explicou, nos 30 anos de política neoliberais aos quais o México esteve submetido, o objetivo sempre foi a mercadoria, “a preocupação maior é com a mercadoria do que com as pessoas”. Bejarano também abordou a situação de algumas comunidades no México, trazendo como exemplo o estado de Chiapas, onde indígenas e crianças já aplicam venenos sem qualquer orientação ou cuidado.

Raul Horácio Lucero, da Universidad Nacional del Nordeste (Argentina) falou sobre os pesticidas e os impactos na saúde humana. Ao mostrar vários dados de más-formações provenientes da exposição a pesticidas, Lucero comentou um dos estudos apresentados, que aponta que uma das causas do número cada vez mais alto de autismo pode decorrer da exposição a agrotóxicos. Ao fim, foi enfático “Precisamos pensar que pátria estamos deixando para as futuras gerações”.

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline