COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Movimento indígena afirma que veto a general na Funai era apenas uma das reivindicações e faz atos políticos em sedes do órgão pelo país.  O movimento deve lembrar ainda os casos de violência contra os povos das etnias Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

 

(Por Rute Pina, Brasil de Fato | Imagens: Mídia Ninja)

Com uma série de reivindicações ao governo interino de Michel Temer, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) realiza um ato em frente a sede  da Fundação Nacional do Índio (Funai), nesta quarta-feira (13).

A ação acontece mesmo após o governo interino descartar a nomeação do general da reserva do Exército Roberto Peternelli (PSC) para assumir a diretoria do órgão. Com ligações com a bancada evangélica do Congresso e pela proximidade com parlamentares contrários aos direitos indígenas, o general é conhecido por exaltar a ditadura civil-militar em suas redes sociais.

As mobilizações acontecem em vários lugares do país, confira: #OCUPAFUNAI POR TODO PAÍS!

 A coordenadora da Apib, Sônia Guajajara, explica que esta era apenas uma das pautas do movimento indígena frente a uma agenda de retrocessos. "A gente já estava com várias balas na agulha para puxar essa mobilização. Essa possível nomeação do general [Peternelli] foi apenas a gota d'água para gente poder atiçar o movimento", afirmou.

Segundo ela, o movimento deve lembrar ainda os casos de violência contra os povos das etnias Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, que semana passada sofreram dois despejos. Nesta segunda-feira três indígenas foram feridos durante atentado na Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá, onde, há quase um mês, o indígena da etnia Kaiowá Cloudione Souza, 26 anos, foi assassinado.

Retrocessos

Na semana passada, processos demarcatórios de cinco áreas foram revistos. No dia 4 de julho, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes anulou a portaria nº 1.794, de 2007, que declarava a Terra Indígena (TI) Boa Vista, em Laranjeiras do Sul, no estado do Paraná. Quatro dias depois, a Justiça Federal paralisou a demarcação das reservas indígenas de Tarumã, Piraí, Pindoty e Morro Alto com a nulidade as portarias de demarcação. As terras somam 9,4 mil hectares entre os municípios de Araquari, Balneário Barra do Sul e São Francisco do Sul (SC).

Ao assumir a pasta, Alexandre de Moraes afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo, que iria rever "demarcações de terras indígenas que foram feitas, se não na correria, no apagar das luzes".

Além disso, em maio, o coordenador institucional da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), encaminhou ofício ao ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, pedindo a revisão de decretos de homologação e demarcação de terras indígenas e quilombolas às vésperas do afastamento da presidenta afastada. Jerônimo protocolou cerca de 30 Projetos de Decreto Legislativo (PDCs), nos quais propõe suspensão dos atos demarcatórios do governo federal.

"Esse anúncios dão muita insegurança para todos nós. Nunca sabemos direito o que pode acontecer porque, por mais que tenhamos sofrido muitos ataques e negação de direitos dentro do governo Dilma, neste governo muita coisa vem se consolidando no sentido contrário da nossa luta", disse Sônia.

Sucateamento

Outra importante pauta do movimento indígena nesta quarta-feira é a denúncia do sucateamento e fragilização do órgão responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas. Contra os cortes orçamentários e de funcionários, a Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef) também aderiu à mobilização e é esperada a paralisação das atividades da fundação.

O orçamento do órgão enxugou 34,6% nos últimos cinco anos. E a verba, que era R$172,6 milhões em 2012, e hoje é de apenas R$112,8 milhões, pode ter mais um corte de 33% só neste ano. Os povos indígenas e entidades que apoiam a mobilização têm demonstrado preocupação com o Decreto 8785/16 e com a Portaria 611/16, que trata da devolução de postos de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) do Ministério da Justiça ao Ministério do Planejamento (MPOG) e do bloqueio de despesas, respectivamente.

Um servidor do órgão e membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (MAPI) afirmou que os funcionários também estão se mobilizando por não haver "sinalização clara" do governo interino de como será a atuação da Funai. "O que a gente precisa para cumprir a constituição no que diz respeito aos índios é, na verdade, mais gente para trabalhar, mais dinheiro e mais condições políticas. Condições estas que hoje são fortemente contrárias às demarcações", disse o funcionário que preferiu não se identificar.

Segundo ele, os servidores têm receio de que a Funai seja desintegrada e passe a funcionar como uma secretaria dentro do Ministério da Justiça. "Eles não dizem que vão fechar a Funai, mas nós sentimos que, na prática, é essa a realidade que está dada. As pastas que cuidavam dos processos de demarcação de terra para reforma agrária foram para [o Ministério da] Casa Civil, o MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário] foi extinto. Eles estão demonstrando, que é o que a gente soube, que as pessoas que apoiaram este golpe tem asco pela causa indígena", disse o funcionário.

Para Sônia, a redução de orçamento e servidores da Funai, hoje na sua visão um órgão "totalmente fragilizado e esvaziado de atribuições", significaria "a total supressão de direitos".

 CPI

A coordenadora da Apib lembra ainda que, no bojo da fragilização da órgão, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) também é alvo de críticas e de denúncias de abusos. "Essa CPI não tem outro viés a não ser desestabilizar, inviabilizar o funcionamento da Funai e, com isso, enfraquecer a luta dos direitos territoriais", denunciou.

 Antropólogos, técnicos e até mesmo a missão da Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas ao Brasil têm sido questionados e indiciados no andamento da comissão. "Estamos sendo chamados para depor simplesmente por fazer nosso trabalho", disse o funcionário da Funai.

 "Eles [parlamentares da Frente Agropecuária, a frente da CPI da Funai] não traçam uma agenda que seja possível de se acompanhar, anunciam de maneira genérica onde vão se encontrar, sem horários… Tudo para que os indígenas não possam participar dos encontros", adicionou. Segundo ele, a CPI tem se tornando um processo de "rejudicialização" das demarcações de terra que já estão consolidadas.

 Outras pautas

Nos atos desta quarta-feira, os indígenas se posicionarão contrários à municipalização da Saúde Indígena e à invalidação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Um documento com as demandas dos manifestantes será protocolado no Ministério da Justiça e no Ministério do Planejamento, pasta responsável pelo anúncio do corte orçamentário da Funai. "São vários pontos que nos mantêm mobilizados para chamar a atenção e visibilizar essas ameças e esse pacote de retrocessos à vista", finalizou a liderança.

 Procurada, a assessoria do Ministério da Justiça afirmou não ter porta-vozes para comentar as pautas do Ocupa Funai "em razão da complexidade do assunto abordado".

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