COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

No dia 9 de janeiro de 2022, foram assassinados, em São Félix do Xingu, JOSÉ GOMES - conhecido como Zé do Lago - de 61 anos; sua esposa, MARCIA NUNES LISBOA, de 39 anos; e sua filha JOANE NUNES LISBOA, de 17 anos. O fato ficou conhecido como Chacina de São Félix do Xingu. 

A família de José Gomes já residia no local há mais de 20 anos, desenvolvia trabalhos de preservação da floresta e mantinha um projeto de reprodução de tartarugas. Eram conhecidos e reconhecidos pelo trabalho ambiental que faziam. A terra ocupada por eles está em área de jurisdição do ITERPA e inserida na APA Triunfo do Xingu, uma área de preservação com mais de 1,5 milhão de hectares. Nos últimos anos, o desmatamento para exploração de madeira e criação extensiva do gado têm avançado de forma descontrolada dentro da reserva, se aproximando cada vez mais da região onde a família de Zé do Lago tinha sua propriedade.

Passados dois anos do crime, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará não disse uma única palavra sobre as investigações e a identificação dos responsáveis pelos crimes. O inquérito instaurado pela polícia civil foi devolvido para o Ministério Público no final do ano passado, sem identificar qualquer responsável pelas mortes. Os executores e os mandantes dos crimes foram beneficiados pela inoperância da polícia e pela conivência das autoridades de Segurança Pública do Estado do Pará. 

A forma como a polícia civil e a Secretaria de Segurança Pública se comportaram em relação aos crimes, desde o início das supostas investigações, não poderia produzir um resultado diferente. As investigações iniciaram na delegacia de São Félix. Depois, foram temporariamente coordenadas por um delegado de polícia de Marabá. Por último, foram conduzidas por um delegado de polícia lotado em Belém. Ou seja, a autoridade policial responsável pela investigação está lotada em uma delegacia da capital, localizada a mais de mil quilômetros do local onde ocorreram as mortes. 

Nesse período, várias reportagens foram publicadas sobre o caso, por diferentes meios de comunicação, apontando fortes indícios de que as mortes estariam relacionadas a interesses de grandes proprietários de terras, localizadas nas imediações da área ocupada pela família de Zé do Lago. Pelas informações divulgadas, a motivação do crime estaria relacionada a interesses dos mandantes das mortes em se apropriarem, posteriormente, das terras ocupadas pela família de ambientalistas. Os nomes de pecuaristas que exercem funções políticas em São Félix foram citados nessas reportagens, mas não sabemos se foram investigados. Afinal, o inquérito tramitou durante esses dois anos sob segredo de justiça. Esse tipo de medida é adotado nos casos em que se pretende proteger as investigações para se chegar mais rapidamente aos culpados, mas, nesse caso, tudo indica que a intenção foi apenas proteger os culpados e impedir que a sociedade tivesse acesso às informações.  

Outro fato que chama a atenção é que, embora o Estado do Pará tenha criado as Delegacias de Conflitos Agrários - DECAs - com atribuição para investigar crimes decorrentes de conflitos pela terra, o caso não foi investigado pela DECA de Redenção. Outro caso ocorrido na mesma região, o assassinato do sindicalista Raimundo Paulino da Silva, também não foi investigado pela mesma delegacia. De acordo com o banco de dados da CPT, nos últimos 10 anos, 23 lideranças camponesas foram assassinadas nas regiões sul e sudeste do Pará. Do total, a DECA atuou somente em 13 casos, e em apenas 6 deles conseguiu indiciar algum responsável pelo crime. Por outro lado, quando a DECA é acionada pelos fazendeiros para apurar alguma denúncia contra os trabalhadores, os delegados com suas equipes comparecem imediatamente na porteira da fazenda. Fato é que, na região, as DECAs se comportam mais como delegacias de proteção do latifúndio do que de investigação de crimes no campo. 

No banco de dados da CPT de Marabá, há uma relação de 39 mandados de prisão expedidos pela Justiça contra executores e mandantes de assassinatos de trabalhadores rurais e suas lideranças no Estado do Pará. Não há informações de nenhuma diligência em curso para cumprir esses mandados. Em muitos desses casos, os foragidos já foram favorecidos pela prescrição da pretensão executória prevista no Código Penal, ou seja, o Estado não poderá mais prender os condenados. Esse benefício já livrou da cadeia o pistoleiro Welington de Jesus Silva, condenado a 29 anos de prisão pelo assassinato do sindicalista José Dutra da Costa - o Dezinho - e também os dois mandantes do assassinato do sindicalista João Canuto de Oliveira, Adilson Laranjeira e Vantuir de Paula, ambos condenados a 19 anos e 10 meses de prisão. A omissão e a impunidade, mais uma vez, favoreceram os criminosos. 

Apenas na região sul e sudeste do Estado, nas últimas quatro décadas, a CPT já registrou 43 chacinas de trabalhadores rurais, com 236 mortos. Em apenas quatro delas houve julgamento de algum responsável, e apenas dois condenados chegaram a ser presos. Ao que tudo indica, se depender apenas das autoridades do Estado do Pará, a chacina de São Félix do Xingu, a exemplo de tantas outras, será mais um caso no qual a impunidade prevalecerá. 

Entre os foragidos estão: o fazendeiro Marlon Lopes Pidde, mandante da chacina de 5 camponeses, crime ocorrido em 27/09/1985, no município de Marabá. Em Júri ocorrido em 08/05/2014, Marlon foi condenado a 130 anos de prisão, mas nunca foi preso para cumprir a pena. Outro caso é o do fazendeiro José Rodrigues Moreira, mandante do assassinato do casal de extrativistas José Claudio e Maria, crime ocorrido em 24 de maio de 2011, no município de Nova Ipixuna. Condenado a 60 anos de prisão em julgamento ocorrido em 06/12/2016, José Rodrigues nunca foi preso para cumprir a pena. 

Frente à situação exposta, as entidades que assinam a presente nota solicitam que o Ministério da Justiça autorize a Polícia Federal a assumir as investigações em colaboração com o GAECO do Ministério Público do Pará e que, dessa forma, possa identificar e denunciar todos os responsáveis por este crime. 

São Félix/Belém, 12 de janeiro de 2024. 

Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

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