COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O estudo traz dados de um cenário de invisibilidade, desassistência e paralisação nas demarcações de terra durante os quatro anos de governo Bolsonaro

 

Por Nathalia Carvalho | Campanha Contra Violência no Campo

Fotos: Nathalia Carvalho

 

Na última quarta-feira (26/7), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou o relatório da Violência Contra Povos Indígenas no Brasil, com dados de 2022. O evento aconteceu de forma presencial na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília/DF, com transmissão ao vivo pelos canais do Cimi.

“Os números do relatório em si não podem ser somente dados, eles têm que nos levar a ações positivas e propositivas. Esse relatório vai muito mais além do que a reivindicação das políticas públicas. Não tem como ficarmos alheios a esses números, a essa perda da dignidade da pessoa humana”, disse o secretário geral do CNBB, Dom Ricardo Hoepers, durante fala de abertura.

Dividido em três capítulos e 19 categorias de análise, além dos dados de 2022, o relatório traz informações atualizadas sobre os quatro anos de governo Bolsonaro, marcado pela omissão do Estado frente ao desmantelo de políticas públicas de proteção aos povos indígenas e ao descaso com a educação, a saúde e a demarcação de terras para essa população.

O evento contou com uma mesa de debate formada por: Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RR); Antônio Eduardo, secretário-executivo do Cimi; Erilza Pataxó, vice-cacica da Terra Indígena Barra Velha (BA); Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wannaseduume Ye’kwanna; Josiel Guarani Kaiowá, liderança no Mato Grosso do Sul; Roberto Liebgott, missionário do Cimi; e Lúcia Rangel, professora e antropóloga.

As marcas da omissão

Foram trazidos à memória diversos casos de assassinato no país no ano passado, como a morte do adolescente Gustavo Pataxó, de 14 anos, na retomada do Vale do Cahy, na Bahia, e o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico John Phillips no Vale do Javarí, extremo oeste do Amazonas. 

“Essa violência que está acontecendo não é só na questão de território, mas na saúde, na educação, no número de suicídio entre os nossos jovens. Tem menos de 10 dias que um adolescente de 17 anos se suicidou dentro do meu território”, lamentou Erilza Pataxó.

Segundo o relatório, entre 2019 e 2022, foram registrados um total de 3.552 mortes de crianças de até 4 anos, e 515 suicídios entre os povos indígenas. 

“Hoje, a gente, indígena, já começamos a sofrer dentro do útero da nossa mãe, com a falta de assistência a saúde quando nasce. Esse lançamento do relatório é importante para que o mundo passe a conhecer o que está acontecendo em território nacional”, completa Erilza.

O relatório revelou ainda que, só em 2022, foram registrados 416 casos de violência contra a pessoa, entre eles: abusos de poder, lesões corporais, violência sexual, assassinatos, tentativas de assassinato e homicídios culposos. 

A liderança Júlio Ye’kwana relembrou os efeitos que a omissão do Estado, a paralização total das demarcações de terra e a escassez de políticas públicas de proteção trouxeram à sua comunidade, em Roraima.

“Esses quatro anos causaram o esvaziamento das comunidades, o recrutamento de jovens pelos garimpeiros, os pais não conseguem mais trabalhar, devido às doenças, causando desnutrição às crianças. A nossa floresta foi destruída, os rios foram contaminados, os lugares sagrados foram destruídos. Queremos viver em paz e ver as nossas crianças viverem bem”, destacou ele.

Consequências do desamparo

A professora e antropóloga Lúcia Rangel, uma das autoras e organizadoras do relatório, apresentou os maiores desafios do período analisado. 

“Esse relatório, mesmo que os nossos dados não sejam totais, ele descreve um cenário racista. São 180 assassinatos [em 2022]. São essas omissões do poder público refletidas nas desassistências gerais na área de educação, saúde e de disseminação de drogas que são apresentados”, explica.

O relatório também contabilizou 158 casos de conflitos por direitos territoriais e 416 casos de violência em terras indígenas.

O encerramento do evento contou com uma saudação do coordenador geral da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.

“É um dia de reforçar o nosso compromisso com a luta e resistência, além de uma celebração por estarmos juntos e unidos nessa causa. A gente almeja que no ano que vem se tenha dados - em termos de número de assassinatos - muito menores do que nos anos anteriores, mas, além disso, que tenhamos avanços de políticas de ações que são necessárias”, destaca.

Sobre o relatório

O primeiro relatório de Violência Contra Povos Indígenas do Cimi foi divulgado em 1986. Em 2003 a edição passou a ser anual, com tradução em inglês a partir de 2016.

As informações do relatório também alimentam a plataforma Cartografia de Ataques Contra Indígenas (CACI, que significa dor, em guarani), um mapa digital onde estão registrados os assassinados de indígenas no país desde 1985.

A transmissão do evento está disponível nas redes sociais do Cimi e o relatório completo pode ser encontrado online no site da organização.

Combate à Violência no Campo

No primeiro semestre de 2022, segundo o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, foram registradas 759 ocorrências de conflitos no campo em território nacional, envolvendo um total de 113.654 famílias.

Diante do agravamento de um cenário marcado por conflitos e violação dos corpos e territórios, nasceu a Campanha Nacional Contra Violência no Campo, em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas.

Ao lado da Comissão Pastoral da Terra Nacional (CPT), o Cimi e mais de 50 outras organizações, movimentos sociais e pastorais integram a campanha com o objetivo de denunciar o contexto de violência e alcançar órgãos públicos com competência de atuação diante dessa pauta.

Saiba mais sobre a mobilização e confira o relatório Conflitos no Campo Brasil, com dados de 2022.



 

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