COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

O território e as famílias enfrentam uma série de ameaças à preservação ambiental e aos modos de vida das comunidades

Por Júlia Barbosa | CPT Nacional

Área incendiada na noite do dia 15 de julho, na comunidade de Curral de Varas l, em Minas Gerais. Foto: Arquivo Geraizeiros.

Geraizeiros e geraizeiras da comunidade tradicional de Curral de Varas 1, Núcleo do Tinguí, denunciam ataques e incêndios criminosos no território, localizado no município de Padre Carvalho, Norte de Minas Gerais. Hoje (27), cercas de delimitação do território foram derrubadas e depredadas. Na noite do dia 15 de julho, a comunidade se deparou com um incêndio alarmante. Além do fogo, placas de identificação e mais cercas foram arrancadas e destruídas pelos criminosos.

No dia 14 de julho, a comunidade recebeu a visita de promotores do Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG), que estiveram no local do conflito, a pedido da comunidade, mas isso não foi suficiente para barrar as ações criminosas contra o território. De acordo com Adair Pereira, membro do Conselho Intermunicipal Comunitário do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas, a suspeita é de que a empresa Rio Rancho Agropecuária S/A, de propriedade do ex-governador do Estado, Newton Cardoso, e de seu filho, o Deputado Federal Newton Cardoso Junior, seja a responsável por atear fogo nos gerais, a fim de destruir a vegetação nativa do cerrado geraizeiro, facilitando, assim, a mecanização da terra para o plantio de eucalipto. 

Cercas derrubadas ilegalmente hoje, 27, no território tradicional geraizeiro e maquinário utilizado para ações ilegais contra o território. Foto: Arquivo Geraizeiros.

O território geraizeiro já vem enfrentando uma série de conflitos acirrados contra mineradoras e empresas de monocultura de eucalipto, como na fazenda São Francisco, na Fazenda Buriti Pequeno e nas Fazendas da Rio Rancho, nas comunidades de Curral de Varas I e II, que já são certificadas e estão construindo seu protocolo de consulta. De acordo com lideranças, o licenciamento ambiental concedido à empresa Rio Rancho é contraditório, pois a área licenciada não é a mesma onde a empresa está fazendo intervenções criminosas e desmatando o cerrado. Também, não houve consulta prévia, livre e informada com a comunidade, para emissão da licença. 

Assim, diante dos conflitos, ameaças e usurpação do território ancestral, os geraizeiros reivindicam às autoridades a suspensão da licença ambiental da empresa Rio Rancho Agropecuária S/A, vinculada ao certificado LOC n°002/2020, com validade até 2030, e que também sejam suspensas todas as operações da empresa no local em litígio, a fim de preservar o  modo de vida das comunidades geraizeiras envolvidas no conflito. 

Os Geraizeiros e Geraizeiras preservam o Cerrado e defendem seu território tradicional. Foto: Arquivo Geraizeiros.

Histórico de conflitos

Com um longo histórico de conflitos, somados aos atuais ataques, as famílias geraizeiras resolveram lutar para retomar seu território ancestral, que, de acordo com lideranças, vinha sendo degradado pela monocultura de pinos plantados nas décadas de 1970 e 1980. Segundo Adair, a empresa Rio Rancho retirou toda madeira sem licença ambiental e, desde que a empresa adquiriu os maciços florestais, em 2000, ela não tinha o licenciamento ambiental para suas atividades. "Só em 2020, no desgoverno Zema, que ignora os direitos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais, que ela adquiriu a licença do bloco cancela n°002/2020, sem que sequer as comunidades fossem consultadas", afirmou. 

Ele ainda relata que, pela exploração da monocultura de pinus e eucalipto, as águas vêm secando e o desequilíbrio ambiental do cerrado vem trazendo pobreza e fome nos gerais. "Se continuar esse modelo de uso e ocupação do solo, a comunidade vai cada vez mais sendo prejudicada e não poderá exercer seus modos de vida, além disso, a segurança alimentar está sendo comprometida", denunciou Adair.

Outro ataque recente sofrido pelas famílias geraizeiras foi o incêndio criminoso ocorrido no dia 25 de junho deste ano, na Chapada da Fazenda São Francisco, no município de Grão Mogol, norte de Minas Gerais. Segundo relatos, a Comunidade Tradicional Geraizeira do Núcleo Lamarão vem sofrendo ameaças graves e perseguição por parte das empresas AJR e Floresta Minas. Lideranças afirmam que essas empresas são interessadas no território e responsáveis por boa parte do desmatamento e da disputa da área, utilizando-se de incêndios para expulsar os povos tradicionais de seus territórios. 

Degradação em consequência do incêndio criminoso ocorrido no dia 25 de junho, na Chapada da Fazenda São Francisco, no município de Grão Mogol. Foto: Arquivo Geraizeiros.

Diante dos ataques constantes, o presidente do Conselho Intermunicipal Comunitário do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas, Valdeí Viana da Silva, encaminhou um ofício ao Ministério Público de Minas Gerais, afim de relatar os ataques e cobrar providências frente as denúncias recebidas das famílias geraizeiras. No documento, o presidente expõe denúncias de violação de direitos das comunidades e contextualiza a situação jurídica do território em conflito:

"Cumpre frisar que a área em questão é objeto de ação de reintegração de posse em trâmite perante à Vara Agrária do Estado de Minas Gerais, sob o número 5001570-66.2022.8.13.0570, movida pela própria empresa Rio Rancho Agropecuária SA. Nesse processo não existe, até o presente momento, decisão liminar de reintegração de posse da área em vigor. Pelo contrário, o E. TJMG, em sede de julgamento de agravo de instrumento, suspendeu a decisão liminar anteriormente concedida. Portanto, o que se verifica é que a empresa em questão tenta assumir a posse da área de forma ilícita, desrespeitando o devido processo legal e violando os direitos da Comunidade Tradicional Geraizeira". 

A empresa ajuizou ação contra a comunidade no município de Salinas (MG), e a audiência está marcada para o dia 30 de agosto deste ano. Diante disso, geraizeiros e geraizeiras continuam resistindo na defesa de seus territórios e modos de vida: "Eles estão desmatando áreas de reservas, as nascentes estão sendo muito prejudicadas. A gente está muito preocupado com isso. Estão colocando veneno, incendiando a área e até ameaçando a gente. A resistência está animada, está difícil, ninguém está aqui para apoiar a gente, mas a gente está resistindo", denuncia Reginaldo Pestana, liderança da comunidade tradicional geraizeira de Curral de Varas 1.

 

Entenda quem são os povos geraizeiros, homens e mulheres do Cerrado: https://www.cerratinga.org.br/povos/geraizeiros/



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