COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

 "Sem feminismo não há agroecologia!”, ouvia-se pelas ruas de Cáceres, no Mato Grosso, na semana passada, enquanto centenas de mulheres marchavam pela ‘Princesinha do Pantanal’, como é conhecida a cidade, com cartazes em mãos e força na voz.

 

(Texto e Imagens por Andrés Pasquis / Gias)

Vestiam uma camiseta de cor fúcsia, com pintura do artista mineiro Gildásio Jardim, que representava mulheres trabalhando, estudando, cultivando e ajudando-se. Nas costas da camisa era possível ler ‘Encontro Estadual Mulheres e Agroecologia’.

O evento foi organizado pelo Grupo de Intercâmbio em Agroecologia (Gias), uma rede de organizações e movimentos sociais que lutam por um sistema social, ambiental e economicamente justo, cuja base é a agroecologia.

Para a ocasião, o Gias mobilizou mulheres e homens de todo o Mato Grosso, reunindo cerca de 600 pessoas de povos e comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, agricultoras familiares e campesinas, com o objetivo de debater a participação da mulher na luta pela agroecologia, como também a organização e mobilização da mesma no contexto de retrocessos pelo qual o país está passando.

A abertura do Encontro aconteceu na quarta-feira (29), com uma noite cultural animada por apresentações de músicas e danças tradicionais, com a participação de grupos de Cáceres, como a Sociedade Fé e Vida e o Grupo tradição.

Denunciando os retrocessos e seus impactos sobre a mulher brasileira

O segundo dia do Encontro começou com uma breve apresentação do Gias e das cerca de 40 organizações que o compõem, como a Associação da Comunidade Negra Rural do Quilombo Ribeirão da Mutuca – Acorquirim, a Associação Regional de Produtores Agroecológicos – Arpa, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Fase, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, entre outros. Na sequência aconteceram mesas de debate e análises sobre experiências de agroecologia e luta das mulheres, principalmente, sobre a conjuntura sociopolítica do golpe no Brasil e como isso impacta diretamente as mulheres do campo e da cidade.

Lucineia Freitas, do MST, disse que uma das principais e eternas desculpas utilizadas pelo governo ilegítimo de Michel Temer, para justificar o golpe e os incontáveis retrocessos que estão sendo cometidos, é a falsa situação de crise econômica. Ela explica que se existe alguma crise econômica, ela não é da população brasileira e sim das empresas e lobbys que brincam com o dinheiro do país.

“Essa crise pertence aos ‘grandes’, às empresas, aos que lucram. E como eles continuam lucrando, mas não tanto quanto antes, influenciam a tomada de medidas para extinção e cortes sociais, que impactam diretamente o povo e seus direitos. E as primeiras a sofrerem as consequências são sempre as mulheres”, denunciou Lucineia.

Gloria Maria Grande Muñoz, assessora do deputado Ságuas Moraes e consultora da CPT, listou vários dos retrocessos denunciados pelas participantes, entre Propostas de Emenda Constitucionais – PEC e projetos de lei, anunciados como “reformas” necessárias para lutar contra a “crise”. Entre eles, tem a PEC da Previdência (287/2016), que fez tremer o país nas últimas semanas e que estabelece, em 65 anos, a idade mínima de aposentadoria para mulheres e homens. Como se não bastasse o significativo aumento de contribuição do trabalhador brasileiro, a Proposta não considera as diferenças drásticas entre trabalho rural e urbano. Para piorar, a PEC ignora totalmente o fato de que as mulheres, com a dupla jornada, trabalham bem mais do que os homens, quase sempre em piores condições de emprego e salário.

Tem também o Projeto de Lei para a Reforma Trabalhista, que pretende possibilitar a terceirização de todo tipo de trabalho e a “flexibilização” dos direitos conquistados até hoje. Graças à prevalência do negociado entre patrão e empregado sobre o legislado, conquistas como férias, décimo terceiro salário, o direito a greve, o limite de carga horária diária e semanal, entre muitos outros, não serão mais garantidos. Glória denuncia que nesse contexto, as mulheres que já eram desvalorizadas no âmbito profissional, são uma vez mais as primeiras impactadas, já que são mais discriminadas para empregos precários e instáveis.

Ela denuncia também a Reforma do Ensino Médio (Medida Provisória 746 / Lei 13.415), que discrimina o acesso de alunos à educação e desvaloriza a qualidade do ensino. Da mesma forma condena a PEC 241, conhecida como PEC da Morte, que congela os gastos públicos, inclusive para saúde e educação. “Em todos esses retrocessos, muito graves para a população brasileira, as mulheres são ainda mais punidas porque trabalham mais, porque podem ter filhos, porque vivem mais. É uma violação no âmbito profissional, político, social e até no próprio corpo da mulher, que não lhe pertence mais”, lamenta.

 Após muita discussão e reflexão, as participantes concluíram o dia ao organizar a Feira Feminista e Agroecológica de Roças e Quintais, na Praça Barão do Rio Branco, situada às margens do Rio Paraguai. A Feira ofereceu aos cacerenses a possibilidade de se deliciar com produtos agroecológicos, cultivados e preparados por agricultoras e agricultores familiares de todo o estado, entre frutas, verduras, farinhas, pães, doces, sucos, licores e muito mais. Por outro lado, vários artistas animaram a noite, com apresentações desde os tradicionais cururu e siriri, passando pela capoeira, até o rap militante de Karla Vecchia e DJTaba.

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Sem feminismo não há agroecologia: Uma marcha de denúncias e propostas

Na manhã do terceiro dia do Encontro foram formados grupos de mulheres por região, para analisar os direitos e condições de vida em todo o estado e, assim, elaborar propostas de ação.

Conscientes de que a situação é muito grave, todas concordaram que é imprescindível a união, organização e luta pelos direitos. Entre as muitas intervenções, houve a de Alexandra Mendes Leite, representante da etnia indígena dos Chiquitanos e da Associação Produtiva Indígena Chiquitano – Apic, que resumiu: “Se nós, mulheres, não nos unirmos, não vamos vencer. Os que estão no poder são homens, machistas e racistas, que vão acabar conosco. Por isso, nós, mulheres indígenas, também estamos nessa luta. Estamos todas na mesma luta”.

 Esses momentos, junto com a elaboração de uma Carta Política do Encontro, fomentaram a marcha de protesto que desfilou pela cidade na parte da tarde. Além de denunciar um governo golpista, machista e os retrocessos por ele cometidos, as manifestantes exigiram a garantia dos direitos brasileiros historicamente conquistados.

Denunciaram ainda a violência física, moral, social e institucional contra a mulher, em todos seus estados, condenando a cultura do estupro que banha nossa sociedade. Também, considerando que a agroecologia é a alternativa viável ao atual sistema perigoso e insustentável, exigiram a implementação de uma política nacional e estadual de agroecologia, através de redes e programas, como o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária – Pronera. Nesse sentido, a agroecologia não é possível sem a demarcação de terras com prioridade para povos tradicionais, indígenas, quilombolas e sem-terra. Mas, principalmente, enfatizaram que ‘Sem feminismo não há agroecologia’.

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