COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Há 40 anos o rio Araguaia e uma noite estrelada testemunhavam a ordenação como bispo de Pedro Casaldáliga. Sua atuação profética junto aos pobres do campo se deu de forma tão marcante quanto a simples cerimônia que o ordenou. Nada de insígnias episcopais que o diferenciassem dos outros homens, somente símbolos simples, que sempre o aproximaram do povo para o qual ele vem doando sua vida.


 

 

Dia 23 de outubro de 1971.  Um acontecimento marcou profundamente a Igreja do Brasil. Foi a ordenação episcopal de Pedro Casaldáliga, como bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia (MT). Hoje comemorando os 40 anos desta ordenação é bom lembrar aqueles momentos.

Três anos depois de Pedro chegar à região, no segundo semestre de 1968, acompanhado do Irmão Manoel Luzón, para iniciar um novo campo de missão, a Igreja da Prelazia se consolidava com a ordenação de seu primeiro bispo.   Pedro foi ordenado pelas mãos de Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia,  Dom Tomás Balduino, bispo da Diocese de Goiás e Dom Juvenal Roriz, bispo de Rubiataba, GO.

Três elementos, mais que significativos, imprimiram àquela cerimônia um caráter totalmente inovador e profético que alcançaram forte repercussão não só na Igreja do Brasil, mas também em muitas igrejas do mundo e na sociedade.

O primeiro: A ordenação se realizou na maior e mais rica catedral do mundo.  A abóbada desta catedral  era ornada pela multidão incalculável das estrelas do céu.  As paredes eram formadas  por um lado pelas águas livres do Araguaia, e pelo outro pelas areias do morro de São Félix. Ao fundo, a igrejinha pequena e pobre da comunidade. Ao pé do morro, como a lembrar a provisoriedade e a fragilidade da vida, o cemitério onde tantas pessoas, morridas ou matadas, descansavam, ao lado do secular cemitério karajá.

O segundo:   Pedro recusou qualquer sinal exterior que o diferenciasse na igreja. Posso estar enganado, mas acho que é o único bispo deste Brasil, talvez do mundo, que fez questão de nunca usar qualquer  insígnia episcopal. As insígnias episcopais, dadas ao bispo na sua ordenação hoje são o anel, o bá­culo, a mitra e a cruz pei­toral. Sinais externos do lugar que o bispo ocupa numa igreja estruturada em forma hierárquica.  Sinais de sua autoridade e poder. O bispo ainda ostenta um escudo que representa seu lema de vida e serviço. Suas vestimentas também se diferenciam das dos simples padres. (Tempos atrás os bispos ainda usavam, nas celebrações, luvas, calçados especiais e paramentos diversos. Tudo para indicar sua importância na igreja.)

Pois bem. Naquela noite de 23 de outubro de 1971, a abóbada celeste, as águas do Araguaia e todos nós que lá estávamos fomos testemunhas de que algo novo acontecia. Um bispo recusava as marcas do poder para mergulhar totalmente na vida do povo.  Estas palavras profético-poéticas ecoaram naquela noite:

Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e a lua; a chuva e o sereno; o olhar dos pobres com quem caminhas e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor.

Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança de teu povo em ti.

Teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e a fidelidade ao povo desta terra

Não terás outro escudo que a força da esperança e a liberdade dos filhos de Deus, nem usarás outras luvas que o serviço do amor.

O terceiro elemento que marcou esta ordenação, deixou um rastro de luz e de esperança. Despertou, por um lado, a adesão imediata de cristãos e cristãs em toda a igreja e nos mais diversos setores da sociedade. Por outro, provocou reação irada e violenta dos agentes da ditadura Militar e dos que se locupletavam com os incentivos públicos às custas do sacrifício, da dor e da escravidão de muitos. Foi sua carta pastoral divulgada naquela ocasião e que se intitulava: UMA IGREJA DA AMAZÔNIA EM CONFLITO COM O LATIFÚNDIO E A MARGINALIZAÇÃO SOCIAL. Um documento que marcou época e que se tornou como que um divisor de águas, no seio da Igreja do Brasil.

A carta pastoral não olha para dentro da igreja. É um olhar da igreja sobre a realidade nua e crua do povo, ao qual esta igreja veio servir. Nela se relatam as situações vividas pelos posseiros que eram expulsos das terras ocupadas e trabalhadas há dezenas de anos; a realidade dos índios cujos territórios eram invadidos pela ganância do capital; e a exploração dos peões, trabalhadores trazidos de diversos cantos do país e submetidos às mais degradantes condições, em situação similar à dos escravos.  Uma palavra clara e profética que denunciava as injustiças que se cometiam contra o povo, e que ecoou no Brasil e no mundo. Pedro dizia na introdução: “Se a primeira missão do bispo é ser profeta” e “o profeta é a voz daqueles que não tem voz” (Card. Marty), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal”.

A ordenação não foi só uma celebração. Ela se concretizou, em todos os cantos da Prelazia, em formas simples e pobres de vida, na partilha da vida com os sertanejos e sertanejas e indígenas, numa tomada de decisões  de forma coletiva e irmã, onde leigos e leigas, religiosos e religiosas e padres tinham voz, sempre olhando o povo e sua história.

40 anos se passaram. E esses marcos fundantes não se pode esquecê-los.

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