COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Encontro, que acontece nesse fim de semana na cidade matogrossense de Ribeiro Cascalheira, celebra diversas causas: dos camponeses e camponesas, de indígena, negros e negras, mulheres marginalizadas, meninos e meninas em situação de rua, dos operários.

 

 

 


(CIMI)

Entre 16 e 17, Ribeirão Cascalheira, em Mato Grosso, se encherá de gentes. Gentes vindas de diversos recantos do país. Entre eles indígenas, ribeirinhos, quilombolas, homens e mulheres do campo, da cidade. Todos, unidos pela esperança de um outro mundo possível, celebrarão pela quinta vez a Romaria dos Mártires da Caminhada. O encontro, que nesta edição tem como tema “Testemunhas do Reino”, é realizado de cinco em cinco anos e dedicado àqueles que morreram defendendo a vida. A Romaria também celebra causas: a indígena, a de negros e negras, mulheres marginalizadas, meninos e meninas em situação de rua, dos operários. Os participantes da caminhada renovam seu compromisso com as lutas pela Vida e pela Justiça.

No sábado haverá uma caminhada martirial até o Santuário dos Mártires da Caminhada, localizado na Prelazia de São Félix do Araguaia, e que é a memória daqueles que viveram e que deram sua vida lutando pelo direito à Vida, à Justiça e à Liberdade. Entre eles, muitos indígenas e missionários indigenistas, assassinados na luta, como Simão Cristino Bororo, Xikão Xukuru, Dorvalino Rocha (Guarani Kaiowá), Ângelo Kretã, Galdino Pataxó Hã Hã Hãe, Marcos Verón, entre tantos outros.

Romaria

A primeira Romaria foi realizada em 1986. Sua 5ª edição acontece em memória dos 35 anos da morte do padre jesuíta João Bosco Burnier, assassinado em 11 de outubro de 1976. Neste dia, João Bosco que era coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em Mato Grosso, voltava de um encontro indigenista realizado junto ao povo Tapirapé, com dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia à época. Na viagem de volta à Prelazia pararam na cidade de Ribeirão Bonito – pequeno município de Barra do Garças, hoje município de Ribeirão Cascalheira, onde foram informados de que duas sitiantes, Margarida e Santana – respectivamente nora e irmã de um sitiante que, na defesa do próprio filho, atirou e matou um soldado da região -, haviam sido presas e sofriam tortura na delegacia local.

Dom Pedro e João Bosco seguiram para a delegacia com o intuito de intervir pelas duas, mas foram recebidos com gritos e ofensas pelos soldados que lá estavam. Em meio a gritos de que eram comunistas e subversivos, um dos soldados, Ezi Ramalho Feitosa, empurra João Bosco, dar-lhe uma coronhada para em seguida, com ele já caído ao chão, deferir-lhe um tiro na cabeça. Socorrido às pressas e transferido de avião para Goiânia, o padre não resiste. Sua morte desemboca então em uma pequena revolução no povoado matogrossensse, sendo ainda hoje um dos mais fortes símbolos da luta travada entre os grandes grupos econômicos apoiados pela ditadura militar e os milhares de peões, indígenas e posseiros que insistiam em ficar e construir na região o seu futuro.

Para dom Pedro Casaldáliga, os últimos momentos da vida de João Bosco foram uma agonia de santo. “A morte violenta foi o coroamento de uma vida que não lhe pertencia mais. Vida doada não é vida perdida, mas vida enaltecida e realizada. Contam seus amigos que, desde jovem, dava atenção a todos sem fazer distinção de pessoas”. Para os povos indígenas com os quais atuou (Tapayuna, conhecidos como beiços-de-pau, e os Bacairi), ele continua santo.

Mártires da caminhada

A celebração também faz memória a tantos outros missionários que morreram na luta pela Vida. Em 15 de julho de 1976, também em Mato Grosso, o padre salesiano Rodolfo Lunkenbein morreu em defesa do povo Bororo, juntamente com o indígena Boe Bororo Simão Cristino, que ofereceu sua vida em defesa do missionário. Simão, grande líder de seu povo, tombou na luta pela demarcação de seu território tradicional, demarcado como Terra Indígena Meruri no mesmo ano.

No dia das mortes, um grupo indígena que lutava pela demarcação foi preso e levado ao pátio da Missão Merúri. Padre Rodolfo, que havia chegado à missão em , estava no campo iniciando uma lavoura de arroz quando foi chamado com urgência. Ao chegar à missão, procurou acalmar os ânimos, mas tinha diante de si diversos pistoleiros, que inclusive já o haviam ameaçado de morte. O missionário recebeu três tiros: um no estomago, um no braço esquerdo e outro no coração. O amigo, capitão do povo Bororo, que o havia tentado defender quando do primeiro tiro, já estava caído, baleado e sem sentidos.

Ao ataque se seguiram momentos de pânico. Os poucos indígenas ali presentes não puderam se defender. Cristino foi golpeado por uma faca. Outros quatro Bororo também foram baleados: José Rodrigues Boiadowu, Gabriel dos Santos Bakoro Kudu, Lourenço Rondon e Tereza Bororo, mãe de Cristino.

A Prelazia de São Félix acolhe então para a Romaria todas as pessoas que querem celebrar e manter viva a memória daqueles e daquelas que deram suas vidas pelas causas maiores das lutas e sonhos, que são as Causas da Vida, as Causas do Reino. Neste momento de grande concentração de fé, esperança, oração e construção do Reino de Justiça e de Paz, que todos sejam sal e luz, ternura e resistência nessa longa caminhada.

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