COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Médico goiano especialista em cirurgia para separação de gêmeos conjugados aponta para relação possível entre os casos e contaminação por agrotóxicos.

 

 

(Jornal O Popular)

O nascimento de siameses tem crescido em Goiás e no Brasil. A afirmação é do especialista em separação de gêmeos conjugados, o cirurgião pediátrico Zacharias Calil. O médico goiano busca respostas para a causa desse tipo de malformação fetal após ter sido procurado por diversas famílias do Brasil e até do exterior. Com 28 casos analisados nos últimos 16 anos, o médico levanta uma hipótese para o aumento: a contaminação por agrotóxicos.

Pela literatura médica, o nascimento de gêmeos siameses é raro, com 1 para cada 100 mil nascidos vivos. Mas apenas o Estado de Goiás registrou pelo menos 6 casos nos últimos 16 anos. Foram atendidos no Hospital Materno Infantil (HMI) dois casos de Goiânia, um de Santo Antônio de Goiás, Goianésia, Jataí e Trindade.

“O primeiro caso registrado aqui ocorreu em 1999, em Santo Antônio de Goiás. De lá para cá, o nascimento de siameses ocorre de tempos em tempos”, relata. O médico também atendeu casos provenientes de cidades do interior da Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Tocantins e Distrito Federal.

Calil conta que muitos pais de gêmeos conjugados relataram contato com defensivos agrícolas, seja de forma ativa, como no trabalho em plantações, ou de forma passiva, como pessoas atingidas após uma pulverização.

Para comprovar a relação entre agrotóxicos e malformação fetal, Calil se baseia em dados da Guerra do Vietnã (1964-1975), quando aviões norte-americanos pulverizaram a região sul do País asiático com o desfolhante conhecido como agente laranja, usado para destruir a floresta e aumentar a visibilidade das tropas. Formado pela junção dos herbicidas 2,4-D e 2,4,5-T, o agente laranja contaminou vietnamitas e combatentes norte-americanos, causando milhares de deformidades de diversos tipos.

“Em 1986, uma região afetada pelo agente laranja teve 10 casos de gêmeos siameses em um único ano”, explicou o médico. O especialista destaca que um dos herbicidas que compuseram a arma química é usado atualmente no Brasil. Trata-se do ácido diclorofenóxiacético (2,4-D), muito aplicado em plantações de cana-de-açúcar, arroz, soja e até pastagens.

O médico também cita o artigo do jornalista Anthony Spaeth, publicado após visita ao Vietnã em 1994, onde um médico da cidade de Ho Chi Minh afirma que em três províncias vizinhas registraram, juntas, 30 casos de siameses em 5 anos. O experado para todo o país, segundo o especialista, seria um par de gêmeos unidos em um prazo de 10 anos.

Alerta

Para Calil, é preciso existir uma maior conscientização sobre os riscos dos agrotóxicos ou defensivos agrícolas, como a indústria do agronegócio prefere chamá-los. “Os trabalhadores rurais só devem ter contato com esses produtos mediante o uso de equipamentos de proteção, o que muitas vezes não acontece. Também é preciso atenção para a forma como as embalagens são descartadas”, alerta.

A reportagem procurou a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), representante da indústria dos defensivos agrícolas, para falar sobre a tese do médico Zacharias Calil, relacionando o uso de agrotóxicos com o aumento dos casos de siameses. Mas a entidade, alegando se tratar de uma questão de saúde pública, preferiu indicar uma lista de especialistas que poderiam abordar o assunto, entre eles o toxicologista Angelo Zanaga Trapé, que diz não haver provas de relação entre o contato com agrotóxico e siameses.

 

Especialistas têm opiniões divididas sobre malformação fetal

Com a promessa de aumentar a produção agrícola e erradicar a fome, a utilização massiva dos defensivos agrícolas divide opiniões no Brasil, campeão mundial em consumo dos chamados fitossanitários. A tese do agrotóxico como causador de malformação fetal também.

Médico especialista em toxicologia e saúde pública, Angelo Zanaga Trapé, do Centro de Intoxicações da Universidade de Campinas (Unicamp), está entre os defensores da segurança do agrotóxico. Para o toxologista, relacionar o nascimento de siameses com os defensivos químicos é “um nexo causal impossível de ser estabelecido”. Trapé afirma que, para se chegar a essa conclusão é preciso levar em consideração também a genética, hábitos alimentares e hábitos de vida da população afetada. “É um achismo, suposição sem embasamento científico”, desqualifica.

Trapé afirma que a substância tóxica e cancerígena do agente laranja era a tetraclorodioxina 2,4,5-T. “O herbicida 2,4-D não tem essa dioxina e, por isso, não traz consequências graves para o organismo. Pode e está sendo usado de forma segura”, garante.

Na outra ponta do cabo-de-guerra, o médico Wanderlei Antônio Pignati, toxicologista da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), é categórico: “Vários estudos no Brasil e no exterior mostram que o agrotóxico causa malformação fetal, além de diversos tipos de distúrbios imunológicos e neurológicos. Eu mesmo sou autor de quatro pesquisas que comprovam o impacto desses produtos na saúde pública, inclusive com a contaminação do leite materno”.

Segundo Pignati, o 2,4-D não é seguro e está proibido na União Européia, China, na Canadá. O toxologista afirma que a substância está entre 14 que aguardam na lista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para serem reavaliadas. “A liberação desse agrotóxico era para ter sido revista desde 2008, mas as indústrias já entraram na justiça várias vezes, impedindo o processo”, explica.

Pais querem entender o motivo

Após perder as filhas, as gêmeas Anny Beattriz e Anny Gabrielly, o porteiro Jeiel dos Santos Guedes, de 25 anos, defende a necessidade de se pesquisar os fatores do surgimento dos siameses. “Minhas meninas não resistiram. A gente tenta compreender da melhor forma possível, mas é preciso estudar isso para a gente ter respostas”, defende.

Guedes e a mulher, a agricultora Iara Pereira Dourado, de 24, moravam em um povoado de Ibipeba, no interior da Bahia. O casal vivia em uma propriedade produtora de bananas. Ele trabalhava como encarregado de turmas e ela na adubação do plantio de gramas. “Lá, a pulverização era feita de forma aérea e era comum a gente estar no meio do bananal e o avião passar, despejando veneno. Minha mulher também tinha contato direto com fertilizantes”, explicou Jeiel. 

Mudança

A felicidade da gravidez de Iara se transformou em preocupação quando o casal soube que as filhas eram siamesas. Depois de ver na internet que o Hospital Materno Infantil (HMI) era referência no atendimento a gêmeos conjugados, os pais decidiram vir para Goiânia, onde moram até hoje.

Desde o nascimento, no dia 10 de dezembro do ano passado, o caso foi considerado grave pois os bebês, unidos pelo tórax e abdômen, compartilhavam o fígado e o coração. Com a piora do estado de saúde, as gêmeas passaram por uma cirurgia de separação de emergência no dia 2 de janeiro deste ano.

Anny Beattriz morreu seis dias depois e, Anny Gabrielly, na noite seguinte. “A gente não tem certeza de nada, e nada vai trazer as meninas de volta. O que a gente quer é saber o porquê”, diz Guedes.

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