COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Com a assessoria do geógrafo Ariovaldo Umbelino, e com a contribuição de representantes de movimentos e organizações sociais, como CIMI, MST e Articulação dos Quilombos, teve início ontem, 17 de março, a XXVII Assembleia Nacional da CPT.

 

 

Ariovaldo fez a análise de conjuntura do momento que estamos vivendo no Brasil. Para ele, do ano passado para cá começamos a viver nitidamente uma luta de classes. A radicalização de parte da sociedade e da mídia em relação à Dilma Rousseff e ao PT, se dá, segundo ele, pelo fato de que eles estão percebendo que não podem mais derrubar o PT. Entretanto, mesmo com a consolidação do partido no cenário político, Ariovaldo destacou as dificuldades atuais desse governo, com o Congresso Nacional e o Judiciário extremamente reacionários. Com isso não é possível vislumbrarmos mudanças significativas nesse mandato. Umbelino destacou, ainda, que o capitalismo mundial está vivendo uma crise desde 2008, uma crise do neoliberalismo.

O fato novo que podemos destacar no atual contexto político é a direita indo para a rua. E podemos perceber que a maioria destes, de acordo com análise do geógrafo, é de eleitores do Aécio Neves (PSDB-MG), que disputou as eleições presidenciais em 2014. E o maior número de manifestações nesse 15 de março de 2015 se deu nos estados e regiões em que Aécio ganhou no segundo turno das últimas eleições. A mídia golpista, de acordo com Ariovaldo, alinhou-se mais uma vez à direita, com uma grande cobertura dos atos pelo impeachment da presidenta Dilma. “A mídia mais uma vez se mostrou como o mais importante aparelho ideológico do poder”, completou ele.

Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), destacou o ataque sistemático e bastante violento aos direitos dos povos indígenas e, principalmente, às lideranças desses povos nos estados em que a luta deles pela retomada de seus territórios é mais constante. Esse ataque se dá, segundo ele, no âmbito dos três poderes e tem como principal sujeitos os grupos ligados ao agronegócio, mas também as mineradoras e empresas internacionais. No âmbito do Judiciário tem havido uma “queda livre” na questão das homologações e reconhecimentos de terras indígenas (TI). Uma TI foi homologada em 2013, e nenhuma em 2014 e em 2015, até o momento. A bancada ruralista, associada a outras bancadas, tem feito uma aliança muito grande entre eles. Cada semana eles dão um passo em direção aos objetivos deles, que é, principalmente, desconstruir os direitos conquistados pelos povos na Constituição Federal. “A principal é a PEC 215, que transfere para o poder executivo a última palavra em relação à titulação de territórios tradicionalmente ocupados. Temos tido uma luta constante nesse sentido. No final de 2014, os indígenas conseguiram suspender a sessão de votação. Mas agora, no início de 2015, já conseguiram um ato para criar a comissão especial, cuja eleição do presidente, vice, secretário será daqui a pouco [17 de março]”, ressaltou Buzatto.

Os povos indígenas têm acompanhado as investidas contra seus direitos, estão dispostos e estão se mobilizando para garantir seus territórios. Para Cléber, “está tendo, também, uma maior articulação das forças do campo, povos tradicionais e outros, nesse momento. E, também, vejo a necessidade de nos articularmos com os grupos urbanos, pois na nossa avaliação, teremos anos de muito enfrentamento pela frente”.

Maria de Fátima Barros, da Articulação dos Quilombos, trouxe a questão do racismo que os remanescentes de quilombo historicamente sofrem e trouxe, também, a questão do racismo ambiental, em que vivem atualmente. A partir de sua própria experiência, de quilombola da comunidade da Ilha de São Vicente, na região do Bico do Papagaio, em Tocantins, Fátima relembrou o esquecimento a eles relegado em relação às políticas públicas. “Na época dos meus avós, bisavós, a gente não tinha essa preocupação pela posse da terra em si. A gente morava e trabalhava na terra. Quando entramos na década de 1980, nós percebemos que não éramos mais considerados donos da terra, pessoas que chegaram depois que assim o eram, e se viam inclusive no direito de mover ações contra as nossas famílias para nos despejar”, disse Fátima. Sua comunidade foi despejada em 2010. Foram despejados em um dia, no dia seguinte as casas foram queimadas e os animais levados, e eles viram literalmente suas coisas boiarem no rio Araguaia. Foi aí que ela veio para Brasília, e está na cidade desde 2010 atuando na articulação das causas quilombolas, junto ao governo federal e aos vários grupos representativos dessas comunidades.

Fátima destacou, também, as dificuldades desse processo de articulação e de organização das comunidades na luta por seus direitos. “Estamos fragmentados, não existe um movimento quilombola, existem movimentos quilombolas. Alguns voltados somente para as políticas públicas. Precisamos nos aglutinar em torno de uma luta coesa por nossos direitos e pautas comuns”, disse ela. A comunidade quilombola de Fátima, quando do despejo, era composta por sete famílias. Elas conseguiram a reintegração de posse e retornaram para o seu território. Hoje são 43 famílias vivendo na área tradicionalmente ocupada. Entretanto, Fátima destacou que a luta ainda não acabou. Fazendeiros que pleiteavam a área a estão ameaçando de morte por liderar a luta por seu território.

A Frente Nacional Quilombola foi criada na cúpula dos povos, em 2012, pois perceberam que tinham que ir para o enfrentamento enquanto protagonistas. “Acho que como a luta é nossa, a gente tem que estar à frente dela”. Depois de mais de um ano, a Frente não avançou e eles viram que precisavam criar mais um modelo de organização, e em maio de 2014 criaram a Articulação de Quilombos, com lideranças de nove estados.

“Deus criou a terra para os povos”

Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), retomou o documento da CNBB sobre a questão da terra. “Deus não criou a terra para a mercadoria e para o capitalismo, Deus criou a terra para os povos, com tudo o que ela tem”. Para ele, a crise econômica vivida pelo capital desde 2008, da qual Ariovaldo falou, teve consequências diretas nas comunidades do campo, pois puderam ver o capital buscando capital ativo para aplicar. Avançando, assim, no modelo do agronegócio no campo brasileiro, comprando nossos minérios, nossas águas, avançando sobre nossos territórios. Essa crise ajudou, também, a consolidar no nosso país, segundo ele, mais uma fase da revolução verde, que se concretiza hoje como agronegócio. Há uma hegemonia desse modelo, uma hegemonia no mercado, nas sementes e na produção por parte das grandes empresas que compõem esse setor no campo. Das dez empresas do agronegócio que dominam no Brasil, seis são estrangeiras, então há uma hegemonia do capital internacional também. Outro ponto que Alexandre destacou foi o impeditivo por parte do poder judiciário, que “senta em cima” dos processos e trava a luta, e, consequentemente, a reforma agrária. Além disso, o poder da mídia, um aparelho ideológico da burguesia e do modelo do agronegócio, que caminha lado a lado desse setor, pois as famílias detentoras dos grandes meios de comunicação têm, também, capital investido no agronegócio, nas pesquisas dos transgênicos, investindo e expulsando os povos da terra. “E ainda temos o governo de Dilma, com um modelo de coalizão, enfrentando uma crise econômica brutal e, agora, com uma crise de rumo”, disse ele.

Na sua avaliação, Dilma rasgou seu discurso de posse, em que destacou “nem um passo atrás, nem um direito a menos”, nomeando, logo em seguida, como ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que “veio para cima dos pescoços dos trabalhadores”. Tivemos uma grande derrota no primeiro turno, que foi a eleição do atual Congresso, o pior dos últimos tempos, segundo ele. “Nós temos então uma correlação de forças muito desfavorável no momento. O agronegócio segue numa ofensiva brutal pelo controle das sementes, da água, e dos recursos naturais. Segue no controle do pensamento, com cartilhas e livros com ensinamentos do modelo venenoso do agronegócio, principalmente nas escolas rurais. Eles vão ensinando nossas crianças que nosso tomate agroecológico é feio, murcho e doente, e que o veneno que eles produzem é remédio para deixá-lo bonito e gostoso. Os órgãos de controle não deixam ninguém dos movimentos quietos e em paz. Muita burocracia criada para impedir que os pobres tenham acesso a recursos públicos”, disse ele. Em contrapartida, Alexandre destacou que os movimentos sociais do campo, o MST em especial, estão retomando a luta, os acampamentos, ocupações. Pode ser que essas ações venham em menor número, mas com mais famílias nas frentes. Há uma retomada da luta pela terra, também, por parte do povo massacrado nas periferias das cidades. “A nossa jornada de abril vai mostrar para Kátia Abreu que ainda existe latifúndio no Brasil, ocupando grandes latifúndios, como fizemos em Corumbá de Goiás”, disse ele.

Mais ou menos cinco milhões de postos de trabalho no campo, temporários ou não, deixaram de existir porque o capital avançou com veneno, máquinas e com produções que não são para alimentar a população. Esses trabalhadores desempregados estão engrossando as periferias das cidades. “Nós temos nossas fragilidades para seguir na luta pela terra. Nas próprias eleições percebemos isso com a derrota de Dilma nas regiões onde a agricultura familiar é mais desenvolvida. Eles votaram no Aécio”, avaliou Alexandra. Para ele, houve uma mudança concreta com o avanço do consumo nas classes mais pobres, mas houve, também, uma desorganização, pois o povo passou a ir para o lado ao qual não pertence, nunca pertenceu.

Para Alexandre, “tivemos nos últimos quatro anos um dos piores governos em relação a reforma agrária desde a redemocratização. Do ponto de vista de números, o governo Dilma em 2014 assentou apenas 17 mil famílias. Temos um processo de travamento da reforma agrária”. Para ele, nesse momento de retomada de lutas torna-se imprescindível a união das organizações e movimentos de luta, tanto do campo quanto da cidade. Ele destacou, inclusive, a necessidade da presença da CPT nesse processo, “vamos precisar e muito do apoio da CPT nesse momento, para retomarmos com mais força a Articulação da Via Campesina, com os novos movimentos que estão próximos. A CPT que serve para solidarizar, precisa voltar a nos ajudar nessa teia de lutas políticas no próximo período”.

A Assembleia Nacional da CPT segue até o dia 19 de março, quando será eleita a nova coordenação executiva nacional e nova direção nacional da CPT, para os próximos três anos.

Mais Informações:

Cristiane Passos (assessoria de comunicação da CPT) – (62) 8111-2890

Elvis Marques (assessoria de comunicação da CPT) – (62) 8444-0096

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