“A Reforma Agrária seria e é um grande instrumento à disposição da classe política, dos governantes, que não a usam, pois dividir a fatia do lucro é algo inimaginável”. Confira artigo do advogado Marcelo Belarmino, ao analisar um caso do advogado da CPT no Tocantins, Silvano Lima, em que ele defende o direito de posseiros da região.

 

Marcelo Belarmino*

 

Antes de adentrarmos especificamente ao que fora proposto, é de bom conselho conceituar o que seja Estado Democrático de Direito e Reforma Agrária.
O Estado Democrático de Direito é uma condição de relacionamento político em que nenhum cidadão no país, está acima das determinações, ou seja, a lei é igual para todos, inclusive para quem a fez.
Independentemente do que diz a Constituição em seu Artigo 184 “que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos de dívidas agrária, com cláusula de preservação do valor real...”, o Estatuto da Terra “considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificação no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.
Em dicotomia, forçoso é dizer que a Reforma Agrária só é justa se tivermos em primeiro plano o Estado Democrático de Direito, tendo leis justas, tribunais justos, juízes justos e decisões justas. Essa falta de Justiça tem sido um grande entrave para a distribuição de terras de forma equânime. As leis existem, são leis “modernas”, mas o que povoa o inconsciente coletivo de quem julga é que a função social é para a elite, é para quem pode comprar trator e equipamentos de última geração, quem detém o capital. O homem simples do campo, mesmo tendo o traquejo com a terra, vivendo dela, não é merecedor de ter terra para viver dignamente.
O homem do campo, sempre oprimido, no transcorrer dos séculos, vem agora respirando mais aliviado, pois o regime ditatorial é letra morta. Mas nem tudo são flores. O regime ditatorial, onde o Estado Democrático de Direito era ficção, saiu, mas ficaram os resquícios da política de privilegiar o latifúndio em detrimento da distribuição adequada da terra.
A Reforma Agrária no Brasil é uma miragem longe, o horizonte não está nada claro, e sim carregado de nuvens negras. A Reforma Agrária não é encarada como meio de o homem ter cidades mais seguras, com menos gente, menos violência e disparidade social, com melhor distribuição de renda.
A Reforma Agrária seria e é um grande instrumento à disposição da classe política, dos governantes, que não a usam, pois dividir a fatia do lucro é algo inimaginável. Ora, a Reforma Agrária, com assistência de técnicos, com incentivo dos bancos com linhas de créditos, menos corrupção, iria fixar o homem no campo, estancando o êxodo rural: - a grande praga que assola o Brasil.
É consabido que é a União quem pode desapropriar terras para Reforma Agrária, entretanto, o que se vê é uma inércia fenomenal para o propósito. As terras estão aí sendo apenas usadas para especular, para que o produtor que planta em grande escala saqueie os cofres públicos com a política de amarrar cachorro com linguiça. Os bancos além de liberarem dinheiro sem rigorosos critérios, quando a dívida está impagável, ou se anistia ou se prorroga por 10 anos, 20 anos.

No Brasil infelizmente o Estado Democrático de Direito, por incrível que pareça, depois de ultrapassarmos o limiar do século XXI, ainda é apenas uma ficção jurídica, pois sabemos que a lei ainda não é feita para todos, e sim para grande maioria, apenas. É claro que muitos avanços aconteceram, mas muito está por acontecer. Hoje com advogados competentes, não se paga dívidas contraídas para financiar a agricultura. Mas sabemos que o homem de parcas letras e terras é quem paga dívidas com assiduidade. A inversão de valores no Brasil, nesse quesito, é abissal, deixando o Estado de Direito apenas nas bibliotecas.
Jurisprudência selecionada: APELAÇÃO CÍVEL N.º 00075105220148270000 ORIGEM: COMARCA DE ARAGUAÍNA-TO REFERENTE: EMBARGOS DE TERCEIRO N.º 0003215-02.2014.827.2706 2ª VARA CÍVEL APELANTES: WESLEY ANDRADE PEREIRA E OUTROS ADVOGADO: SILVANO LIMA REZENDE APELADOS: BENEDITO VICENTE FERREIRA JÚNIOR E FRANCISCO LOURO DA COSTA RELATOR: Desembargador RONALDO EURÍPEDES EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEFESA DE POSSE VIA INADEQUADA.

1. Os apelantes pretendem, através dos embargos de terceiro, defender a continuação da posse da área em litígio, sob o fundamento de que exercem posse velha e de boa-fé e não foram incluídos no polo passivo da ação de reintegração de posse proposta pelo proprietário do imóvel rural. 2. A sentença recorrida reconheceu e declarou que os posseiros podem e devem defender a alegada posse legítima da área, mas no bojo da ação possessória e não através de embargos de terceiros. 3. Depreende-se dos autos que os posseiros/apelantes foram todos incluídos no polo passivo da demanda possessória, sendo determinada pelo magistrado a quo a citação pessoal de todos, restando integralmente atendida a pretensão dos mesmos, qual seja, a de defender judicialmente as respectivas posses. 4. Recurso a que se nega provimento. (AP 0007510-52.2014.827.0000, Rel. Des. RONALDO EURÍPEDES, 4ª Turma da 2ª Câmara Cível, Julgado em 8/10/14) 1/1
O Julgado acima, em outras palavras, diz que se alguém é posseiro de determinada área e que sobre essa área pende ação possessória, é parte legítima para aforar embargos de terceiros para defender a posse. Claro que para ser parte legítima nos embargos de terceiro o posseiro não pode ser parte no processo possessório.

 

* É advogado. Foi procurador de município por oito anos e defensor público no Tocantins. Além de advogado, é jornalista e técnico agrícola.