COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

A aprovação da proposta poderia estimular maior investimento por parte do governo e frear a destruição de 1% ao ano do segundo maior bioma do Brasil. “O Cerrado é negligenciado e não recebe a mesma atenção que Amazônia e Mata Atlântica, que já são patrimônios nacionais”, afirma pesquisador.

 

(Fonte: Ecodebate/Ilustração: ISPN)

Há 20 anos em trâmite no Congresso Nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 115/95), que pretende transformar o bioma Cerrado em patrimônio nacional, pode não sair do papel. ​Não há mobilização nem interesse dos parlamentares em defender a proteção de um dos biomas mais ameaçados do Brasil, que ocupa um quarto do território nacional, detêm 5% da biodiversidade mundial e possui a mais diversificada savana tropical do planeta, segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Pronta para ser votada no Plenário há quase dez anos, a PEC do Cerrado é barrada na bancada ruralista que considera a preservação do bioma como empecilho para expansão do agronegócio. “O receio dos parlamentares é que a PEC possa impedir o crescimento da produção agrícola, já que todos os grandes negócios previstos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) se concentram no Cerrado”, explica o doutor em Ecologia Reuber Brandão, estudioso do Cerrado, professor adjunto da Universidade de Brasília e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. “Esse pensamento é um verdadeiro ‘tiro no pé’”, complementa o doutor, explicando que conservar as paisagens florestais é indispensável para manter o equilíbrio do ecossistema e beneficiar a sociedade e o agronegócio, inclusive.

A aprovação da PEC do Cerrado poderia estimular um maior investimento por parte do governo e, dessa forma, frear a destruição descontrolada do segundo maior bioma do Brasil. “O Cerrado é negligenciado e não recebe a mesma atenção que Amazônia e Mata Atlântica, que já são patrimônios nacionais”, explica o também doutor em Ecologia, Rafael Loyola, diretor do Laboratório de Biogeografia da Conservação (Universidade Federal de Goiás) e também membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. “Elevar o status constitucional faz diferença, sem dúvida, e ajuda alavancar recursos e estratégias de conservação”, aponta o Loyola. É preciso valorizar e compreender, contudo, a real importância do bioma para o país. “O legislativo é arcaico e representa o que tem de mais ultrapassado da sociedade brasileira. O Cerrado é indispensável para manutenção da integridade ecológica, inclusive, de outros biomas e para minimizar problemas que o Brasil vive atualmente, como a crise hídrica, uma vez que o bioma é considerado o berço das águas”, complementa Brandão.

O bioma merece uma atenção solidária de todos os setores, como aponta Brandão o especialista, para que possam oferecer políticas de controle de desmatamento e estímulo para produtividade que gere o menor impacto socioambiental. “Precisamos de políticas que fortaleçam a importância da conservação da natureza para o desenvolvimento do país. A produção depende dos recursos naturais e seus serviços ambientais. Retirar o Cerrado e substituir pela monocultura, por exemplo, é perder a opção de salvar o futuro hídrico do país”, alerta Brandão.

Com menos da metade de sua cobertura nativa remanescente, o Cerrado pode deixar de existir em poucas décadas. Se nada for feito, não apenas milhares de espécies de fauna e flora serão afetados, mas também a manutenção do regime de águas no Brasil. Isso porque no Cerrado estão as nascentes dos rios que abastecem as principais bacias hidrográficas do país.

Devido ao desmatamento acelerado, provocado pela expansão da fronteira agropecuária, queimadas e a ocupação urbana, entre 2002 e 2012, mais de 100 mil quilômetros quadrados de vegetação original foram destruídas, conforme dados do MMA. “Não tem jeito de manter o bioma protegido com esse nível de desmatamento. Precisamos de mais força de vontade política e olhar público, devendo atuar rapidamente e não dá mais pra esperar”, alerta Loyola.

Para efeito comparativo, a formação vegetal original do Cerrado ocupava dois milhões de quilômetros quadrados, equivalentes a 16 vezes o tamanho da Inglaterra, cuja área é 130 mil quilômetros quadrados.

A salvação do Cerrado

A destruição do Cerrado, estimada pelos especialistas em aproximadamente 1% ao ano, pode ser barrada se existir uma estratégia eficiente, capaz de garantir e salvar a diversidade de vidas do bioma: a implementação de Unidades de Conservação (UCs) e outras áreas protegidas. No entanto, segundo o MMA, pouco mais de 8% do Cerrado está protegido, sendo que, deste total, menos de 3% são efetivamente de proteção integral. Os outros 5% são áreas protegidas para uso sustentável, como as Áreas de Proteção Ambiental (APAs). “Existe um baixo nível de proteção no Cerrado. Quase não há Unidades de Conservação na região, as que existem são isoladas e o entorno já está todo modificado para produção de soja, cana e pastos para pecuária”, explica Loyola. As áreas protegidas do Cerrado estão abaixo da meta do país, de 17%, estipulada pelas Metas de Aichi do Protocolo de Nagoya – no âmbito Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é signatário.

Embora estabelecer Unidades de Conservação seja uma das estratégias mais eficazes para proteção da natureza, um plano de manejo para criação e manutenção das áreas protegidas teria que ser rigorosamente cumprido. “Não é o que vemos na prática. Além das políticas públicas, falta gestão e estrutura que mantenham a proteção, de fato”, alerta Brandão. “As UCs, por exemplo, normalmente são criadas em regiões estratégias para proteção de ecossistemas ameaçados e em zonas que formam corredores ecológicos com outras áreas protegidas”, ressalta.

O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, localizado no nordeste de Goiás, é um exemplo apontado pelos especialistas de como a pressão da sociedade e políticos para defesa da agricultura pode ter um resultado catastrófico na preservação ambiental. “Esses conflitos acontecem no Cerrado porque a sociedade e os políticos querem fazer o mau uso do bioma. O parque já sofreu duas reduções, basicamente pela pressão agropecuária e para construção da rodovia GO-239”, explica Loyola.

O parque foi criado em 1961, na época chamado de Parque Nacional do Tocantins, em uma área de 625 mil hectares. Dez anos após a criação, passou a ser chamado de Chapada dos Veadeiros e sua área foi reduzida para pouco mais de 170 mil hectares. Alguns anos mais tarde, em 1981, a unidade teve sua área mais uma vez reduzida e passou a ter 65 mil hectares. Desde a sua criação, a Chapada perdeu 89% da sua área total, passando de 625 mil hectares para 65 mil.

Em 2001, o parque foi declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e foi ampliado para 235 mil hectares. No entanto, devido às questões políticas, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o decreto anos mais tarde, retornando o parque para os atuais 65 mil hectares.

Colaboração de Guilherme Nascimento, NQM.

 

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