COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Próximo ao Dia Mundial da Água, especialistas alertam, mais uma vez, para a preservação, por exemplo, do bioma Cerrado, que ocupa grande parte do território brasileiro e é berço de importantes nascentes. Neste contexto, a Unesco também faz um alerta: Mantendo os atuais padrões de consumo, em 2030 o mundo enfrentará um déficit no abastecimento de água de 40%. Acesse também os dados referentes aos Conflitos pela Água no Brasil, registrados e divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) nessa semana.

 

(Fonte: Mariana Tokarnia - Agência Brasil)

O bioma que ocupa um quarto do território brasileiro não tem rios de grande vazão, mas concentra nascentes que alimentam oito das 12 grandes regiões hidrográficas brasileiras. Especialistas consideram o cerrado como o berço das águas, já que nele estão localizados três grandes aquíferos – Guarani, Bambuí e Urucuia –, responsáveis pela formação e alimentação de importantes rios do continente. Para esses pesquisadores, a preservação da vegetação do cerrado é fundamental para a manutenção dos níveis de água em grande parte do país.

 

 “O cerrado é como uma floresta ao contrário, as raízes são profundas, maiores que as copas. Elas são responsáveis por absorver a água da chuva e depositá-la em reservas subterrâneas, os aquíferos”, explica o professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e diretor do Instituto do Trópico Subúmido, Altair Sales Barbosa.

 

Segundo o especialista, com o desmatamento e a diminuição da vegetação nativa, responsável por levar a água para regiões mais profundas, os aquíferos chegaram ao nível de base, ou seja, deixaram de abastecer diversas nascentes.

 

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"A quantidade de água existente nesses aquíferos já chegou ao seu nível mínimo. É como se fosse uma caixa d'água com vários furos. Os furos são as nascentes. Quando ela está cheia, a água sai por muitos furos. Conforme vai esvaziando, vai saindo nos furos mais inferiores, até chegar ao último furo e há um momento em que não sai mais. Estamos em um momento em que [a água] está saindo, mas de maneira muito rudimentar, menor do que saía há 20, 40 anos", diz o especialista.

 

Segundo ele, cerca de dez rios desaparecem na região anualmente.

 

O professor ressalta que, uma vez degradado, o cerrado não se recupera totalmente.  Também é difícil cultivá-lo. Das 13 mil espécies vegetais catalogadas, apenas 180 são produzidas em viveiro.

 

“O cerrado é diferente da Amazônia e da Mata Atlântica, por exemplo. Enquanto esses biomas têm 3 mil e 7 mil anos, o cerrado tem mais de 45 milhões de anos que se completou totalmente. Como ele é muito antigo, evolutivamente já chegou ao seu clímax. Uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade".

 

De acordo com dados disponibilizados pela organização não governamental (ONG) WWF Brasil (sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza), o cerrado é a segunda maior formação natural da América do Sul e concentra cerca de 5% da biodiversidade do planeta e 30% da biodiversidade do Brasil. Metade da vegetação nativa do cerrado foi eliminada e menos de 3% está protegida de forma integral.

 

“A ocupação dessa região se deu de forma acelerada nos últimos 60 anos e isso trouxe problemas. Ambientes importantes foram perdidos ou estrangulados por cidades, plantações e hidrelétricas”, diz o coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF Brasil, o engenheiro florestal Julio Cesar Sampaio.

 

Para agravar a questão da reserva de água, o regime de chuva tem mudado na região nos últimos 20 anos.

 

Para o pesquisador da área de hidrologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Cerrados, Jorge Werneck, os períodos de chuva têm ficado mais curtos e os de seca, mais longos. A média pluviométrica em determinadas estações caiu de 1,5 mil milímetros para 1,2.

 

“Isso muda bastante o ciclo hidrológico, faz com que nossos solos fiquem mais secos, os lençóis freáticos desçam, sejam rebaixados e isso afeta diretamente todo o regime de vazão dos nossos rios”, explica.

 

A coordenadora de Monitoramento da Qualidade Ambiental do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Vandete Inês Maldaner, reforça os prejuízos com a mudança no regime de chuva. “Anteriormente, tínhamos uma estação chuvosa, com distribuição ao longo do dia nos meses de dezembro e janeiro, e tínhamos uma chuvinha bem distribuída. Hoje temos períodos grandes de veranico e chuvas torrenciais, que não contribuem para o abastecimento dos lençóis freáticos. Batem no solo e escorregam, causando o assoreamento dos rios”, diz.

 

Para Werneck, não é possível dizer se a causa da diminuição da chuva é a ação do homem, nem se essa redução será permanente. Barbosa diz ser inegável a influência da ação do homem e da ocupação desordenada nos grandes centros urbanos, responsáveis pela formação de ilhas de calor que impedem a chegada de massas úmidas.

 

O coordenador do curso de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Católica de Brasília, Marcelo Gonçalves Resende, acredita que a ação do homem é a grande responsável pela diminuição da chuva.

 

“A meu ver, tudo está relacionado. O grande problema é a má gestão do uso e da ocupação do solo, seja em áreas urbanas ou rurais. É possível que haja ocupação, desde que seja feita de forma sustentável, existem técnicas, claro que tem que ter agricultura, criação de gado, indústria, moradia. Mas isso tem que ser feito de forma sustentável. Existem técnicas, mas o ser humano esquece, pela ganância, pela vontade de obter lucro fácil. O último ponto que leva em consideração é a questão ambiental.”

 

Unesco: mundo precisará mudar consumo para garantir abastecimento de água

 

Relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) mostra que há no mundo água suficiente para suprir as necessidades de crescimento do consumo, "mas não sem uma mudança dramática no uso, gerenciamento e compartilhamento". Segundo o documento, a crise global de água é de governança, muito mais do que de disponibilidade do recurso, e um padrão de consumo mundial sustentável ainda está distante.

 

De acordo com a organização, nas últimas décadas o consumo de água cresceu duas vezes mais do que a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050. Mantendo os atuais padrões de consumo, em 2030 o mundo enfrentará um déficit no abastecimento de água de 40%. Os dados estão no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável.

 

O relatório atribui a vários fatores a possível falta de água, entre eles, a intensa urbanização, as práticas agrícolas inadequadas e a poluição, que prejudica a oferta de água limpa no mundo. A organização estima que 20% dos aquíferos estejam explorados acima de sua capacidade. Os aquíferos, que concentram água no subterrâneo e abastecem nascentes e rios, são responsáveis atualmente por fornecer água potável à metade da população mundial e é de onde provêm 43% da água usada na irrigação.

 

Os desafios futuros serão muitos. O crescimento da população está estimado em 80 milhões de pessoas por ano, com estimativa de chegar a 9,1 bilhões em 2050, sendo 6,3 bilhões em áreas urbanas. A agricultura deverá produzir 60% a mais no mundo e 100% a mais nos países em desenvolvimento até 2050. A demanda por água na indústria manufatureira deverá quadruplicar no período de 2000 a 2050.

 

Segundo a oficial de Ciências Naturais da Unesco na Itália, Angela Ortigara, integrante do Programa Mundial de Avaliação da Água (cuja sigla em inglês é WWAP) e que participou da elaboração do relatório, a intenção do documento é alertar os governos para que incentivem o consumo sustentável e evitem uma grave crise de abastecimento no futuro. “Uma das questões que os países já estão se esforçando para melhorar é a governança da água. É importante melhorar a transparência nas decisões e também tomar medidas de maneira integrada com os diferentes setores que utilizam a água. A população deve sentir que faz parte da solução.”

 

Cada país enfrenta uma situação específica. De maneira geral, a Unesco recomenda mundanças na administração pública, no investimento em infraestrutura e em educação. "Grande parte dos problemas que os países enfrentam, além de passar por governança e infraestrutura, passa por padrões de consumo, que só a longo prazo conseguiremos mudar, e a educação é a ferramenta para isso", diz o coordenador de Ciências Naturais da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.

 

No Brasil, a preocupação com a falta de água ganhou destaque com a crise hídrica no Sudeste. Antes disso, o país já enfrentava problemas de abastecimento, por exemplo no Nordetste. Ary Mergulhão diz que o Brasil tem reserva de água importante, mas deve investir em um diagnóstico para saber como está em termos de política de consumo, atenção à população e planejamento. "É um trabalho contínuo. Não quer dizer que o país que tem mais ou menos recursos pode relaxar. Todos têm que se preocupar com a situação."

 

O relatório será mundialmente lançado hoje (20) em Nova Délhi, na Índia, antes do Dia Mundial da Água (22). O documento foi escrito pelo WWAP e produzido em colaboração com as 31 agências do sistema das Nações Unidas e 37 parceiros internacionais da ONU-Água. A intenção é que a questão hídrica seja um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que vêm sendo discutidos desde 2013, seguindo orientação da Conferência Rio+20 e que deverão nortear as atividades de cooperação internacional nos próximos 15 anos.

 

 

 

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