COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Na última sexta-feira, 4 de junho, na região de Papay, no departamento Central do Haiti, milhares de camponeses e camponesas marcharam. Eles vinham de todos os confins do país e gritavam em uníssono: “Abaixo a Monsanto. Abaixo as sementes transgênicas e híbridas. Viva as Sementes Nativas Crioulas!”

 

 


Lanbi é o termo em kreyòl para designar uma espécie de concha marítima muito comum no litoral haitiano e que costuma servir de alimento para o povo dos litorais. As lanbi não são somente conchas. São também um instrumento de guerra. Nos tempos da colônia, os escravos haitianos sopravam seus lanbis ao calar da noite e o som grave que saia deles era o sinal para convocar as reuniões que planejariam os passos da independência haitiana. Foi ao som dos lanbis que se levou a cabo a primeira revolução vitoriosa de escravos que se tem notícia na história da humanidade. O ruído grave e oco do lanbi foi o prenúncio da libertação das Américas.

 

Na última sexta-feira, 4 de junho, o som do lambi voltou a ser ouvido na pequena ilha do Caribe. Na região de Papay, no departamento Central do Haiti, milhares de camponeses e camponesas marcharam ao ritmo dos lanbis. Eles vinham de todos os confins do país e gritavam em uníssono: “Abaixo a Monsanto. Abaixo as sementes transgênicas e híbridas. Viva as Sementes Nativas Crioulas!”

 

A Marcha foi uma resposta à doação de 475 toneladas de milho híbrido que a multinacional Monsanto ofereceu ao governo do Haiti no último mês de maio. Esta doação está sendo encarada pelas famílias e movimentos camponeses como um verdadeiro presente mortal e representa um “ataque muito forte à agricultura camponesa, aos camponeses e às camponesas, à biodiversidade, às sementes crioulas que estamos defendendo, ao que resta de nosso meio ambiente no Haiti”, de acordo com Chavannes Jean-Baptiste, coordenador do MPP (Mouvman Peyizan Papay) e membro da Via Campesina haitiana, responsáveis pela convocação e coordenação da Marcha.

 

Percorrendo uma distância de dez quilômetros desde a região de Papay rumo ao centro da capital departamental Enche, a marcha contou com a presença estimada entre 8 a 12 mil pessoas, de acordo com seus organizadores. Além da Via Campesina Haiti, participaram também diversas articulações e movimentos camponeses como o FONDAMA, RENAHSSA, PLANOPA, KABA GRANGOU, VETERINAIRES SANS FRONTIÈRES, FRÈRES DES HOMMES, DÉVELOPPEMENT ET PAIX, FONDASYON MEN KONTRE AYITI e ACTIONAID.

 

A solidariedade internacional mostrou-se presente com lideranças camponesas oriundas da República Dominicana, Estados Unidos, França, Itália e Brasil. Os camponeses e camponesas que compõem a Via Campesina Brasil externaram sua “indignação e preocupação” com a entrada da Monsanto no Haiti, afirmando em carta pública que “não podemos concordar que a catástrofe de 12 de Janeiro seja utilizada como desculpa para abrir as portas do Haiti aos interesses e lucros de multinacionais delinquentes como a Monsanto. Sob uma ilegítima e violenta ocupação militar levada a cabo há seis anos pelas tropas da MINUSTAH – vergonhosamente liderada pelo exército brasileiro - e tendo que lidar com os desafios da reconstrução do país, o povo do Haiti não pode sofrer esse novo terremoto social que a entrada de sementes transgênicas no país representaria.”

 

Durante a Marcha, sementes de milho crioulas foram distribuídas e plantadas pelos camponeses de Papay para demonstrar sua firme posição em defesa das sementes nativas. Imbuídos dessa mesma convicção, ao final do ato os camponeses queimaram simbolicamente uma pequena porção do milho transgênico da Monsanto que começou a ser distribuído pelo Ministério de Agricultura do Haiti. "Temos de lutar por nossas sementes locais", afirmou Chavannes enquanto o milho transgênico ardia no chão. "Devemos defender a nossa soberania alimentar", concluiu.

 

Os manifestantes não esconderam sua indignação com o Presidente René Preval. As atitudes do presidente haitiano após o terremoto de 12 de janeiro– que vitimou mais de 300 mil pessoas e desabrigou milhões de famílias – vêm sendo bastante contestadas. A anuência com a permanência das tropas de ocupação da MINUSTAH, a aprovação de uma Lei de Emergência que prorroga seu mandato por mais 18 meses e que cria uma Comissão Provisória para a Reconstrução do Haiti sob o comando geral de Bill Clinton, somadas a este acordo com a multinacional Monsanto, vêm transformando o nome de Rene Preval em sinônimo de subserviência e corrupção nos meios populares. "Estou aqui porque estou com raiva do Preval", afirmou o marchante Pierre Charité, camponês de 61 anos que cultiva milho, banana e cana-de-açúcar no departamento Central do Haiti. "Ele aceitou esse milho ruim da Monsanto que vai matar o milho do Haiti. Eu não vou usá-lo", asseverou Pierre.

 

O terremoto de 12 de janeiro derrubou casas e destruiu estradas, mas não abalou a força dos camponeses haitianos. O som do lanbi voltou a ecoar pelas montanhas da ilha.

texto e foto: Thalles Gomes - Brigada Dessalines - Enche /Haiti

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