COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

 

Lançamento em Cuiabá contou com presença de diversos movimentos sociais do campo. No Brasil, foram 34 assassinatos no campo em 2013, dos quais 15 mortos eram indígenas, incluindo 5 Yanomami em Roraima, 4 Tupinambá no sul da Bahia e 3 Guarani em Mato Grosso do Sul. As demais vítimas, num total de 19, são posseiros, sem-terras, trabalhadores rurais, pescadores e assentados.

 

Por Maíra Ribeiro, da Articulação Xingu Araguaia (Axa)

Desde 1985, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publica anualmente o Caderno de Conflitos no Campo, com o registro e a análise dos conflitos que ocorreram na zona rural ao longo do ano anterior. O Caderno registra casos de violência como assassinatos, tentativas de assassinatos, ameaças, despejos bem como as lutas através de ocupações e manifestações ligadas aos povos do campo, das águas e das florestas. São incluídas comunidades camponesas, tradicionais, indígenas, quilombolas entre outras.

“O Caderno de Conflitos é um esforço coletivo de diversas entidades, que coletam informações que são cristalizadas e sistematizadas pela CPT. Assim, pode-se ter uma ideia da gravidade da situação do avanço da fronteira agrícola e avanço do capital no nosso estado” explicou o padre Paulo César Moreira Santos, da coordenação da CPT em Mato Grosso.

No estado, o lançamento do Caderno de Conflitos no Campo de 2013 ocorreu no dia 30 de abril de 2014 na calçada em frente à Superintendência do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Cuiabá com clima de manifestação. Estavam presentes participantes de movimentos sociais e entidades, lideranças e apoiadores das lutas no campo. O evento teve como abertura a mística encenada pela turma de especialização em Residência Agrária da UFMT. O grupo destacou a violência do próprio Estado, finalizando com a forte mensagem: “por todos os nossos mortos, nenhum minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta”. Neste sentido, deve-se destacar que, de 1985 até 2013, foram levantados 76 casos de assassinatos no campo com 119 vítimas, sendo que destes somente três casos foram julgados e nenhum mandante foi condenado.

As falas durante o lançamento do Caderno denunciaram os conflitos e violência no campo sofridos diretamente por entidades e movimentos sociais em Mato Grosso, com a participação de representantes do Centro Burnier, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Trabalhadores Assentados e Acampados (MTA).

No Brasil, foram 34 assassinatos no campo em 2013, dos quais 15 mortos eram indígenas, incluindo 5 Yanomami em Roraima, 4 Tupinambá no sul da Bahia e 3 Guarani em Mato Grosso do Sul. Este é o maior número de indígenas assassinados já registrado pela CPT. As demais vítimas, num total de 19, são posseiros, sem-terras, trabalhadores rurais, pescadores e assentados.

Os dados do Caderno de Conflitos de 2013 deixam evidente a investida do agronegócio sobre o território e os direitos dos povos indígenas. Neste sentido, Mário, da coordenação do CIMI em Mato Grosso, lembrou em sua fala da morosidade e impunidade na Justiça, da formação de milícias armadas de fazendeiros no Mato Grosso do Sul e do atropelo de dois Bororo em Mato Grosso no ano passado pelo simples fato de que foi retomado o processo de homologação da Terra Indígena Teresa Cristina, já declarada há décadas.

Conflitos no campo mato-grossense

Segundo o Caderno da CPT, no ano passado, houve 33 conflitos no campo, envolvendo 2.150 famílias em Mato Grosso. Destes conflitos, houve 03 assassinatos, 27 ameaças de mortes, 9 presos e 5 agredidos, sendo o quarto estado com mais assassinatos e ameaças do país. Mato Grosso foi o 2º estado da Amazônia Legal com mais despejos, contabilizando 486 famílias despejadas. Foram denunciados 9 casos de trabalho análogo à escravo envolvendo 73 trabalhadores. Foram 5 ocupações realizadas por cerca de 400 famílias em 10.895 hectares e 48 manifestações envolvendo cerca de 3.500 pessoas. Veja os quadros abaixo:

Durante o lançamento em Cuiabá, Fia, representante do MST, destacou que o movimento trabalha dentro da perspectiva do conflito, já que sua forma de ação é a ocupação de terras, denunciando a concentração fundiária e a apropriação ilegal de terras públicas por particulares. Existem acampamentos com mais de 10 anos de existência no estado, como o Sílvio Rodrigues e o 12 de Outubro, cuja legitimidade de luta foi reconhecida, mas os processos de demarcar o assentamento ainda estão parados, deixando as famílias em situação de insegurança. As pressões por mineradoras e hidrelétricas sobre assentamentos foram apontadas pelo MST como principais causadores de conflitos no campo nos dias atuais no estado.

 

Lideranças do MTA deram relatos emocionados de suas experiências em Ibiratinga, onde cerca de 350 famílias sofreram dois despejos nos últimos 12 meses. Foi denunciada a violência desnecessária da Polícia durante os despejos, com destruição total de alimentos e pertences, mesmo que não se tratasse de uma decisão definitiva, mas uma liminar. No 2º despejo, as famílias que já estavam acampadas há três meses, perderam as colheitas de melancia e milho que tinham plantado ao chegar à área. Além disso, denunciaram as ameaças diretas ou veladas que vem sofrendo, como a contaminação com veneno da mina onde retiram a água e ameaças verbais por capangas de fazendeiros. Situação semelhante foi relatada por um camponês da Gleba Gama em Nova Guarita, que conta que as famílias foram colocadas na área pelo INCRA e lá foram esquecidas, sofrendo diversas ameaças de fazendeiros, como pulverização aérea de agrotóxicos sobre o acampamento, queima de barracos e marcas de tiros nas portas das casas.

Os relatos pessoais durante o lançamento deixaram os dados contidos no Caderno mais palpáveis e reais. Como foi lembrado durante o evento, o que está registrado no Caderno é somente a “ponta do iceberg”, ou seja, aqueles conflitos que chegaram a público num universo disperso e pouco estudado ou divulgado pelos meios de comunicação, que é o meio rural brasileiro. A realidade é infelizmente mais violenta, e também menos conhecida. “Para nós, o Caderno de Conflitos no Campo tem importância histórica para que não se perca o que aconteceu, que se torne crível a realidade do campo brasileiro, tanto para mostrar os avanços do capital quanto para evidenciar as lutas no campo. Outro ponto é ser uma denúncia do desrespeito e violência perpetuados no campo” complementa Paulo César.

Confira o Caderno de Conflitos no Campo de 2013 na íntegra aqui

 

 

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