peixes-mortosA Usina Trapiche, multada por crimes ambientais pelo IBAMA em 2008, 2009 e pelo CPRH em 2011, recebeu prêmio da Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) por seus supostos méritos ambientais. A premiação, denominada Medalha Leão do Norte, foi fruto de uma articulação iniciada pelo Deputado Henrique Queiroz (PR), empresário do setor agrícola e industrial de Pernambuco. A medalha foi entregue na noite desta terça-feira, dia 04 de dezembro, em uma solenidade realizada na própria Assembleia.

A notícia ofendeu os pescadores e pescadoras que vivem no município de Sirinhaém, localizado na zona da mata sul de PE, local onde funciona a Usina. ”A entrega deste prêmio à Usina Trapiche é uma vergonha, um desrespeito a população”, afirmou o pescador João Francisco da Silva, da Colônia de pescadores da Barra de Sirinhaém.
Outro pescador do município, que preferiu não se identificar por receio de retaliações, comenta que recebeu a notícia com indignação. “Degradar o meio ambiente, jogar vinhoto matando todos os peixes do rio, expulsar os pescadores das ilhas de Sirinhaém, dos manguezais de onde eles tiram seu sustento, acabar com as plantas e usar agrotóxicos, será que isso é proteger o meio ambiente?”

As comunidades que vivem da pesca são as que mais sofrem os impactos de degradação ambiental na região. Foram os próprios pescadores e pescadoras que encaminharam as denúncias de crimes ambientais aos órgãos de fiscalização que resultaram nas autuações e multas à Usina Trapiche.

A pescadora Maria de Nazareth nasceu nas Ilhas de Sirinhaém: terra da União, mas que está aforada à Usina Trapiche. Lá viveu até fim de 2010, quando se viu obrigada a abandonar o lugar onde sempre morou em virtude de um processo transitado em julgado em favor da Usina Trapiche. A pescadora já foi testemunha de diversas ilegalidades da Usina cometidas nas ilhas de Sirinhaém, todas denunciadas aos órgãos de fiscalização. “Todo período de moagem tá lá a água fedendo a vinhaça. Ela está ganhando esse prêmio por conta disso?”, indagou.

 

Histórico de crimes ambientais foi ignorado pela ALEPE - Dias antes da decisão da ALEPE pela entrega da medalha, a CPT encaminhou, à Comissão de Meio Ambiente da casa, uma série de materiais, estudos, vídeos, depoimentos dos pescadores e denúncias dos crimes ambientais praticados pela Trapiche. Entretanto, nenhuma das informações se fizeram presentes no parecer que justificou a entrega da medalha.

De acordo com Plácido Júnior, da Comissão Pastoral da Terra, a entrega do prêmio da Assembleia Legislativa à Trapiche não foi uma novidade. “Como a assembleia legislativa do Estado pode dar uma medalha por méritos ambientais se é de conhecimento público que o próprio IBAMA multou esta Usina por crime ambiental diversas vezes? Quem a Assembleia escutou para dar a medalha? Os pescadores e as pescadoras? As entidades sérias de meio ambiente? As organizações do campo? Não. A Assembleia escutou justamente a Usina, que comete crime ambiental, que expulsou os pescadores e as pescadoras das Ilhas do estuário do Rio Sirinhaém”, ressaltou.

Para o ecólogo e ex-chefe de fiscalização do Ibama em Pernambuco, Leslie Nelson Jardim Tavares, “a dívida ambiental das usinas é histórica, possuem um enorme défict ambiental. Não é a toa que restam apenas 2% da Mata Atlântica do estado”. Para o ecólogo, “proteger o meio ambiente que é ameaçado justamente pelo desenvolvimento do próprio empreendimento, está longe de ser um notável serviço na defesa ambiental”. Leslie ressalta ainda que, “o histórico do setor é tão ruim que é fácil confundir obrigação legal com mérito”, ressalta.

 

Em jogo: disputa pelo domínio sob as terras da União - A manobra política que concedeu um prêmio pelos supostos méritos ambientais à Usina Trapiche acontece no mesmo período em que há um processo de criação de uma Reserva Extrativista de Sirinhaém e Ipojuca para ser concluído. A criação da Reserva representará o fim do domínio da Usina Trapiche sob as ilhas de Sirinhaém. Com a Resex, as terras da União passarão a ser controladas pela sociedade civil dos municípios. Plácido Júnior ressalta que “é justamente isto que está em jogo. Há uma tensão, uma disputa de poder, que está relacionado a quem irá poder controlar, decidir o que fazer e como fazer naquela área. Com o prêmio, a Usina está produzindo provas, com "respaldo" do Estado para impedir a criação da Reserva Extrativista. A usina demonstra que não quer perder poder: terra é poder, água é poder, biodiversidade é poder.” Para Plácido, “a Reserva Extrativista dará mais força de fiscalização aos pescadores e as pescadoras; dará mais forma de organização; com o mangue livre dos venenos da usina terá mais peixe e crustáceos, tornando os pescadores e as pescadoras mais independente em relação a Usina”.

 

Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste II